Fonte: Baldios dos lugares da extinta Freguesia de Vilarinho, Lousã
Autores: LT/FS
HISTÓRIA DOS BALDIOS DA FREGUESIA DE VILARINHO
Os terrenos comunitários, designados de Baldios da Freguesia de Vilarinho, são usados e fruídos por todos os habitantes dos lugares da Freguesia, desde tempos imemoriais. Esta propriedade silvo pastoril, de mão comum, inicialmente usada para recolha de pedra e saibro, para a construção das casas serranas e currais para o gado e sua apascentação, recolha de matos, lenhas, apiários de abelhas, plantação de castanheiros e de oliveiras, para recolha de seus frutos, aproveitamento de águas para rega de pequena propriedade e também para mover os moinhos de cereal.
Durante o Regime Fascista
No tempo do Estado Novo Fascista, foram os Compartes espoliados de várias parcelas de terreno na encosta da Chã do Freixo, Boque, encosta de Vilarinho e outros locais que foram vendidas para a construção do edifício Paços do Concelho da Câmara Municipal da Lousã. Seguiu-se a retirada pelos Serviços Florestais de terrenos para instalar o perímetro florestal do Estoirão, onde fizeram as sementeiras de pinhão, as plantações de árvores exóticas e várias outras espécies, proibindo aos compartes o pastoreio dos seus rebanhos, com aplicação de multas por parte dos Guardas Florestais, que na década de 50 do século XX eram de 20$00, valor que levava muitas vezes os compartes a terem de vender duas cabras, para pagar a multa. Foi ainda proibida a retirada de lenhas, pedra, saibro, mato e outros frutos e produtos de que estavam habituados a usufruir do Baldio, tal como as cavadas que faziam para semear nos terrenos mais pobres o pão, que era o centeio, e nos melhores terrenos, o trigo.
Na Sequência do 25 de Abril de 1974
Com a chegada da revolução, de 25 de Abril, foram nomeadas as Comissões Administrativas das Juntas de Freguesia e Câmaras Municipais, marcos Históricos da recém-chegada Democracia, que deu a Liberdade aos Povos Serranos de reivindicar o que lhes tinha sido retirado pelo Estado Novo.
Na Freguesia de Vilarinho, a Comissão Administrativa da altura convocou uma reunião a 9 de Novembro de 1975, no salão da Junta de Freguesia, com a presença de sete compartes. Como não reuniu o número exigido pela Lei, foi só constituída a Mesa para dirigir os trabalhos, tendo sido eleitos: Presidente, José dos Santos Casimiro; Secretários: José Júlio dos Santos Carvalhinho e António Pedro Mendes. Foi também decidido marcar nova reunião em dia e hora a ser divulgada através dos lugares da Freguesia.
Estes compartes, pioneiros, fizeram um recenseamento provisório, socorrendo-se dos moradores dos lugares da Freguesia de Vilarinho e das indicações que lhe eram dadas pela Administração Florestal da Lousã.
Publicação do Decreto-Lei 39/76, de 19 de Janeiro
om a publicação da Lei nova, mais conhecida pelo Decreto-Lei 39/76, de 19 de Janeiro, os compartes foram obrigados a organizarem-se em assembleia e elegerem os respectivos órgãos, conforme consta da Acta número quatro, que aqui se dá por reproduzida: “Convocada pela Comissão Administrativa da Junta de Freguesia de Vilarinho, concelho de Lousã, aos dias vinte e um de Novembro do ano de mil novecentos e setenta e seis, às nove horas, no salão desta Junta de Freguesia com a presença de cinquenta e cinco compartes.
A Assembleia é esclarecida e posta ao par do que se estabelece no Decreto-Lei 39/76, de 19 de Janeiro e conforme Editais afixados em todos os lugares da Freguesia e bem assim como os Cadernos de Recenseamento Provisório dos Baldios. Mais, foram afixados Editais para a convocatória desta Assembleia.
É eleita pela Assembleia a Mesa que passa a dirigir os trabalhos, tendo sido eleitos: Presidente, José dos Santos Casimiro; Secretários: José Júlio dos Santos Carvalhinho e António Pedro Mendes. É feita a escolha da forma de Administração dos Baldios, tendo todos os representantes, por unanimidade, escolhido a alínea B do art.º 5º que é a de regime de associação entre os compartes e o Estado.
Em seguida é feita a eleição do Conselho Directivo, composto por quatro elementos, é feita a votação por voto secreto e universal, tendo sido os nomes mais votados os de: José Júlio dos Santos Carvalhinho, com 26 votos; Vicente Tomás, com 19 votos; Gabriel Duarte Carvalho, com 14 votos; e de Augusto Duarte Gonçalves, com 14 votos, os quais ficam a representar a Assembleia pelo período de três anos, conforme art.º 10º alínea 2.
Por ser verdade se lavra esta acta que vai ser assinada pelos membros da Mesa da Assembleia”.
No seguimento da narrativa de algumas actas, verificamos que a acta número dez, do Conselho Directivo, de 15 de Fevereiro de 1979, diz: “… esteve presente o delegado do Governo, o Sr. Eng.º Moreira Soares a fim de tratar da arrematação dos pinheiros queimados, do Logradouro”.
Da acta número onze, do Conselho Directivo, de 10 de Abril de 1979, reproduz-se um excerto que narra o seguinte:”… com a presença do Sr. Dr. Neves, Sr. Vicente Tomaz, Sr. José dos S. Casimiro, Sr. Augusto Duarte e o Sr. José Júlio dos S. Carvalhinho.
Procedeu-se à designação do dia vinte e nove de Abril próximo, pelas nove horas e trinta minutos, para a reunião da Assembleia de Compartes, com vista à seguinte ordem do dia:
a) Discussão de um ante-projecto de plano para aplicação das receitas resultantes da recente adjudicação de vários lotes de pinheiros.
b) Discussão de quaisquer outros assuntos de interesse postos pela Assembleia.
c) Aprovação das várias propostas apresentadas, relativas à discussão dos assuntos, referidos nas alíneas anteriores.
Para os fins indicados na alínea a) deliberou-se maioritariamente elaborar-se um esquema prévio de sugestões a apresentar provisoriamente, como ante-projecto de plano para aplicação das receitas referidas, sem prejuízo de outras sugestões que venham a ser dados na Assembleia a realização ou, posteriormente, até à data de aprovação definitiva do plano.
Projecto de plano para discussão.
Esse esquema subordina-se aos seguintes princípios a submeter à apreciação, discussão e votação da Assembleia.
a) Hierarquização das necessidades particulares dos diferentes lugares da freguesia com vista à satisfação, na medida do possível, das que forem prioritárias, ouvidos os seus habitantes ou elementos representativos. Com vista à realização deste objectivo foi sugerida a atribuição de um subsídio à Junta de Freguesia que o aplicará na satisfação dessas necessidades e cujo montante depende da maior ou menor avaliação destes.
b) Elaboração de vários projectos e obras que beneficiem todos os moradores da freguesia ou, pelo menos, de que a maior parte da freguesia se possa aproveitar ultimamente.
Assim:
I – Projecto de um novo cemitério que corresponda às necessidades actuais e futuras de toda a freguesia, bem como aquisição do terreno respectivo.
II- Projecto e construção da sede da Junta de Freguesia que terá anexo um posto médico e uma sala afecta exclusivamente às reuniões da Assembleia de Compartes e Conselho Directivo ou outros fins decididos por este.
III- Projecto para escola infantil a frequentar por crianças da freguesia, tendo em vista a sua deslocação em transporte privado para a escola.
IV- Projecto da estrada da Regadas até a estrada do Vale.”
Na reunião da Assembleia de Compartes de 29 de Abril de 1979, de acordo com proposta que consta da acta número doze, foram aprovados os planos acima mencionados, no extracto, tendo estado presentes vários compartes que assinaram esta acta.
Como podemos constatar, as verbas retiradas dos Baldios, deram um grande desenvolvimento à Freguesia de Vilarinho, nos anos pós Revolução de Abril e também nos anos que se seguiram, conforme podemos constatar nas actas seguintes e na vigência dos Decreto-Lei 39/76 e 40/76, que por exigência dos mesmos os compartes tinham de fazer anualmente quatro Convocatórias para reunir a Assembleias de Compartes.
Nos anos oitenta do passado século é de referir que era comum os Baldios terem sempre presente na distribuição das receitas obtidas na floresta, as faltas que na altura os lugares tinham. Para tal agendavam uma visita, com elementos da Junta e Câmara Municipal, para localmente verificarem as carências existentes e propor à Assembleia de Compartes os valores a distribuir, para realizar as obras necessárias.
Tiveram em conta, os compartes desta altura, a demarcação das parcelas de Baldios existentes na Freguesia de Vilarinho, com a colaboração de compartes idóneos, conhecedores das estremas. De referir o Sr. António da Piedade, o Sr. David Costa e outros, tendo o Sr. Augusto Duarte Gonçalves começado a colocar marcos de cimento nas estremas com particulares, conforme consta na acta n.º 58, de vinte e oito de Fevereiro de mil novecentos e oitenta e oito.
Publicação da Lei 68/93, de 4 de Setembro
A partir da publicação da Lei 68/93, de 4 de Setembro, os compartes da Freguesia de Vilarinho passaram a dedicar mais atenção no acompanhamento dos assuntos relacionados com a floresta e com a maneira de dirigir os destinos da mesma.
Assim, passaram a existir uma Mesa de Assembleia de Compartes, um Conselho Directivo, um Conselho Fiscal, conforme estipula a Lei nova. Quiseram que fossem os Compartes a gerir, em plenitude, os destinos dos Baldios e não em administração com o Estado, cujos representantes locais sempre colocaram entraves ao que se pretendia fazer.
Até ao ano de dois mil, negociou-se com o Estado a contratação de uma Equipa de Sapadores Florestais, que só veio a conseguir-se em Maio de dois mil e um. Esta Equipa tem vindo a fazer os trabalhos de silvicultura preventiva nas parcelas de Baldios existentes, bem como a vigilância e prevenção de fogos florestais.
Em Março de dois mil e dois, o Conselho Directivo, em negociação com a Câmara Municipal da Lousã, fez um contrato de arrendamento do Baldio da Chã do Freixo, onde está instalado o aeródromo, a escola nacional de bombeiros, o Laboratório de Incêndios e outras infraestruturas.
No verão de dois mil e dois, no mês de Julho, houve um grande fogo de origem criminosa no Baldio, que queimou uma parte significativa, tendo começado na Ribeira Pequena, progrediu até ao estradão. Foi necessário esperar até dois mil e três para o Estado fazer o auto de marca e venda do arvoredo.
Em dois mil e três, realizou-se o levantamento topográfico das parcelas dos baldios e completou-se a colocação de marcos nas restantes estremas, tendo sido feito o acordo com os Baldios do Candal e com vários particulares, trabalho este que foi concluído pelo Conselho Directivo, com a colaboração do Técnico do SEBALDIC e pela Equipa de Sapadores Florestais.
No Boque, na parcela de Baldio com sobreiros, em dois mil e três, o Conselho Directivo teve de contratar mão-de-obra especializada, para retirar a cortiça queimada, desde há uma década atrás.
Em dois mil e quatro, com o Técnico contratado ao SEBALDIC, foi feito um projecto, no âmbito do programa AGRO, de reflorestação com folhosas, nas linhas de água da área ardida, projecto esse que não foi aprovado por falta de verba do Estado.
No verão de dois mil e cinco deflagrou um fogo, de origem criminosa, na encosta de Vilarinho, e houve a lamentar a perda da vida de um bombeiro, comparte, Franklin José, que muito consternou todos os compartes da Freguesia de Vilarinho.
Em Abril de dois mil e cinco, foi celebrado um contrato de cessão de exploração com o Parque Eólico do Trevim, Lda., para instalação de um parque eólico, com a potência de 35 MW, correspondente a 14 aerogeradores, recebendo os baldios a renda de sete, tendo os outros sete sido instalados no aceiro de linha de cumeada do Casal da Bemposta, que por indefinição jurídica se aguarda por decisão do tribunal.
Em dois mil e seis foi decidido impugnar judicialmente no Tribunal da Lousã, as escrituras de usucapião feitas sobre os artigos existentes no Casal da Bemposta, na tentativa de apropriação de áreas baldias, onde se encontram sete aerogeradores, mas que o Tribunal declarou serem nulas e proibiu qualquer registo.
Em dois mil e sete, o Conselho Directivo mandou analisar os pinheiros da Chã do Freixo, na Escola Superior Agrária de Coimbra, tendo sido detectada a doença dos anéis vermelhos. Tendo presente este problema, pediu-se ajuda ao Gabinete Técnico Florestal da Câmara Municipal da Lousã, para fazer um projecto de corte do pinhal e reflorestação com folhosas que veio a acontecer com a ajuda da FLORESTA UNIDA, que ofereceu as árvores e a plantação no terreno.
Aquisição de equipamentos
Para além das ferramentas e máquinas destinadas ao trabalho dos sapadores o Conselho Directivo adquiriu mais os seguintes equipamentos:
No ano de dois mil e três uma viatura ligeira de mercadorias, de caixa aberta, para deslocações de dirigentes e apoio à Equipa de Sapadores.
Em dois mil e sete um edifício com garagem, armazém, escritório, sala de reuniões, casa de arrumos e eira. Tendo sido feitas obras para que fosse possível a sua utilização.
Para equipar o escritório e sala de reuniões compraram-se mesas, cadeiras, secretária, computador, impressora, ar condicionado.
Em 2009 um tractor florestal com pá frontal, com reboque equipado com grua, corta sebes, estilhaçador, rachador de lenha, capinadeira e guincho.
Em 2010 um pulverizador para pulverização de infestantes com herbicida, uma grade de discos para limpeza de plantações.
Denúncia do Regime de Associação com o Estado
A Lei nova, ou Decreto-Lei 39/76, de 19 de Janeiro, no seu Preâmbulo diz “A entrega dos terrenos baldios às comunidades que deles foram desapossadas pelo Estado fascista corresponde a uma reivindicação antiga e constante dos povos” mas passados todos estes anos a entrega ainda não foi concretizada na sua plenitude, pois, o Estado, só veio a devolver os baldios, parcialmente.
A partir de 1995, insatisfeitos com o regime de associação com o Estado tentou negociar-se o termo desse regime, mas sem resultados. Em reunião realizada no dia 24 de Março de 2006, a Assembleia de Compartes deliberou, por unanimidade, dar poder ao Conselho Directivo para por fim ao regime de associação. No cumprimento da deliberação, por carta registada, com aviso de recepção, datada de 27.06.2006, o Conselho Directivo, comunicou ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Agricultura do Desenvolvimento Rural e das Pescas, que por deliberação da Assembleia de Compartes foi decidido por termo ao regime de associação a vigorar a partir de 31 de Dezembro de 2006.
Tal denúncia foi recusada pelo Estado, pelo que o Conselho Directivo, em 2010, apresenta no Tribunal Judicial da Lousã uma acção contra o Estado Português.
O mesmo Tribunal a 23.05.2011 veio reconhecer a extinção do regime de associação a partir de 11 de Junho de 2010 e condenar o Estado a reconhecer a extinção desse regime e consequentemente a entregar imediatamente à Assembleia de Compartes os terrenos baldios e a abster-se de praticar qualquer acto em tais terrenos baldios, com efeitos desde 11 de Junho de 2010.
O Estado recorre desta decisão, mas o Tribunal da Relação de Coimbra, a 29 de Fevereiro de 2012, nega provimento ao recurso interposto e mantém a decisão recorrida, antecipando os efeitos da extinção do regime de associação para 31 de Dezembro de 2006.
Assim, a partir de 29 de Fevereiro de 2012, os compartes da Freguesia de Vilarinho passam a poder gerir em pleno os seus baldios.
Na sequência desta decisão judicial foram delineadas linhas orientadoras para a realização de um plano estratégico.
Vilarinho, Junho de 2012
LT/FS
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