Foto: Bernal Saborio/Flickr
“A vida mudou muito, muito mesmo. Agora consigo alimentar minha família. Antes do projeto estava sem trabalho e era muito difícil comprar alimentos e vestuário. Foi uma mudança muito positiva”. O testemunho é do produtor moçambicano Eugideo Alberto Braga (37), morador do Parque Nacional da Gorongosa, em Moçambique, sobre o projeto desenvolvido no continente africano por pesquisadores brasileiros e portugueses.
Sem histórico expressivo de produção de café para fins comerciais, Moçambique faz parte do acordo trilateral entre Brasil e Portugal, que tem o país como beneficiário. Intitulado “Produção Sustentável de Café no Parque Nacional da Gorongosa e Sistema Agroflorestal Integrado no Contexto da Desflorestação, Alterações Climáticas e Segurança Alimentar”, o projeto prevê, entre outros objetivos, a formação de recursos humanos.
Mas, todo esse trabalho só é possível graças ao vasto conhecimento e tecnologia empregados ao longo de décadas na cafeicultura brasileira, aponta o pesquisador e professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), campus São Mateus, e coordenador da parte brasileira no projeto, Fábio Luiz Partelli,
“Todo o histórico de conhecimento adquirido ao longo de décadas que o Brasil tem em produção, na pesquisa e no desenvolvimento tecnológico da lavoura cafeeira, nos permite essa ajuda a Moçambique no manejo das lavouras, naquilo que é possível dentro da realidade deles”, pontua. v
Multiplicando saberes
Se de um lado os conhecimentos são transferidos na prática, por meio do ensino de técnicas de manejos com eficácia comprovada, por outro, a troca se dá através de pesquisas de mestrado e doutorado. Ao todo, 17 bolsas de estudos, entre mestrado e doutorado, foram oferecidas aos moçambicanos.
Niquisse José Alberto (31), de Nampula, Norte do país africano, é um dos beneficiados. Formado em ciências agrárias, ele atualmente mora no Brasil onde já concluiu o mestrado e iniciou o doutorado em genética e melhoramento na Ufes.
Vinculado ao núcleo de pesquisa de excelência em café conilon da universidade, em paralelo aos estudos no Brasil, Niquisse também contribui com a pesquisa feita no Parque Nacional da Gorongosa, onde é avaliada a diversidade do café arábica.
“Uma grande oportunidade fazer o mestrado e doutorado em um país de alta tecnologia e expert na cultura de café. Com as experiências e conhecimentos adquiridos aqui, vou poder contribuir significativamente para o desenvolvimento sustentável da cafeicultura em Moçambique que, por sinal, como nova fronteira na cafeicultura vai ser significante no ponto de vista social e econômico das famílias envolvidas, bem como para a biodiversidade no contexto de mudanças climáticas”, explica o doutorando.
Crimildo Teles Cassamo, da cidade de Maputo, defendeu em julho deste ano sua tese de doutorado intitulada “Produção sustentável do café em Moçambique e sua qualidade em sistema agroflorestal da Serra de Gorongosa”. O trabalho de campo foi feito na Serra da Gorongosa e a parte de laboratórios, em Portugal, país com uma longa história de intercâmbio científico com o Brasil.
“Considero essa uma oportunidade única. Eu me integrei a uma equipe de pesquisa em café com longa tradição e de renome internacional. Tive a oportunidade de aprender e vivenciar experiências com assistência do pesquisador de um país que é o maior produtor em nível mundial, o Brasil. A cafeicultura no meu país é bastante embrionária e sem tradição de produção comercial, embora haja condições de cultivo em algumas zonas. Com esse aprendizado, poderei contribuir no estímulo do relançamento e do fomento da cultura em Moçambique”, destaca Crimildo.
Várias mãos
Executado pela Ufes, Instituto Superior de Agronomia (ISA) da Universidade de Lisboa e Parque da Gorongosa e financiado pela Agência Brasileira de Cooperação (ABC), Ministério das Relações Exteriores, Administração Nacional de Áreas de Conservação (Anac), Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural de Moçambique, Camões Instituto da Cooperação e da Língua de Portugal, o projeto, assinado em 2017, beneficia cerca de 500 famílias de agricultores africanos do Parque Nacional da Gorongosa em situação de vulnerabilidade social.
Implantado em uma área de cerca de 240 hectares, a meta é produzir café de qualidade, orgânico, cultivado sob espécies nativas do Parque e, assim, amenizar os efeitos da deflorestação, aumentar os rendimentos por meio da produção e promover a segurança alimentar na região.
Fábio Partelli explica que o país africano tem solo e clima ideais para o cultivo. Porém, até a chegada dos pesquisadores brasileiros e portugueses, a cafeicultura se resumia em plantar. Com potencial de produção médio, por ser uma área limitada e com muitas árvores, o conhecimento dos pesquisadores e as experiências e pesquisas citadas pelo professor ajudaram os moçambicanos a obter resultados positivos.
Moçambique tem potencial de solo e clima, mas é um processo lento. Tudo lá é mais devagar que aqui para acontecer. Ajudamos nas orientações para ter uma produção melhor, correção do solo, adubação, ajustamos espaçamento, orientamos local de secagem, entre outras práticas”, diz Partelli.
Em quatro anos de trabalho integrado, os resultados na produção sustentável de café pelas comunidades tradicionais já são contabilizados. Segundo o coordenador brasileiro, quando iniciaram o projeto, a produção não passava de 1,5 toneladas de café por ano. Em 2021, o resultado foram 19 toneladas de grãos.
Supervisor do projeto em Moçambique, Sional Moiane ressalta que foi um grande desafio, mas a meta foi alcançada, tudo que aprenderam tornou a região referência em Moçambique e nos demais países do continente.
“Por várias vias adquirimos conhecimentos sobre o cultivo da cultura. Hoje, já somos referência sobre a produção de café, em Moçambique e em outros países. Podemos dizer que conseguimos alcançar a nossa meta, alguns pontos ainda por acertar, mas nada que não seja atingido e superado. Cada dia aprendemos mais e temos o Brasil como referência”, enfatiza.
Por enquanto, o café produzido em Moçambique é do tipo arábica, mas o projeto prevê a introdução de conilon/robusta (Coffea canéfora) para este ano. A Ufes se destaca mundialmente em pesquisas científicas com esta última espécie de café.
Transformando realidades
Em um local com problemas de telecomunicação, recursos escassos, sem energia elétrica e internet, e onde a maioria da população se comunica por meio de dialetos, o conhecimento aplicado à produção de café faz toda diferença na vida da população.
“É uma ajuda do Brasil a um país irmão, muito mais pobre, região de muita pobreza mesmo, e que nem de longe é concorrente do Brasil na produção de arábica. É um projeto de assistencialismo”, ressalta Partelli.
Moradores que, como Eugideo Alberto Braga, das aspas que abrem esta reportagem, conseguem sustentar a família com a renda da produção de café. Falando em “chiduma”, dialeto falado no Parque, mais duas produtoras aceitaram conceder entrevista para a nossa reportagem por chamada de vídeo e com o intermédio de Sional, que fala português e o dialeto.
Fatiança Paulino (49) tem 1,5 hectare de café e conta que muita coisa mudou e espera que as melhorias continuem. “A vida não era assim. Agora, com o café, conseguimos ganhar dinheiro. Consigo comprar coisas que antes não conseguia, vestuário por exemplo. Estou muito contente e quero que essas melhorias continuem. Estou muito satisfeita”.
Sorridente, Imaculada Furanguene (47) relata, entusiasmada, que a renda melhorou e que é uma satisfação poder ajudar os menos experientes no cultivo de café. “Não sabia nada sobre o café e agora já conheço muita coisa, já consigo fazer minha própria plantação e tenho experiência para ajudar. Antes ganhava muito pouco e agora a renda melhorou, consigo comprar coisas que antes não podia. Estou muito feliz”, declara.
Inicialmente, o acordo terminaria em 2022, mas devido à pandemia da Covid-19, as ações integradas vão durar mais um ano. O projeto será concluído com a produção de um manual sobre cafeicultura.
Parque Nacional da Gorongosa
O Parque Nacional da Gorongosa é uma área de conservação situada na zona limite Sul do Grande Vale do Rift Africano, no coração da zona centro de Moçambique e é muito conhecido internacionalmente devido aos filmes da National Geographic, exibindo os animais de grande porte, como leões e elefantes.
O Parque, com um pouco mais de 4000 km², inclui o vale e parte dos planaltos circundantes. Os rios que nascem no vizinho Monte Gorongosa, que atingem os 1.863 metros de altura, irrigam a planície. Em 20 de julho de 2010 o governo moçambicano decidiu alargar a área do parque para 4.067 km², bem como criar uma zona tampão de 3,30 km² à sua volta onde o café está sendo produzido no Monte Gorongosa. O café é produzido entre as altitudes 600 a 1.100 metros em relação ao nível do mar.
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