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“Moro Num País Tropical, Abençoado por Deus ...”[1]
Sobre a Política Externa e de Meio Ambiente do Governo Jair Bolsonaro
Carlos Walter Porto-Gonçalves *
O recém-eleito Presidente, o Sr. Jair Messias Bolsonaro, acaba de fechar a composição de seu ministério com a nomeação de Ricardo Salles para Ministro de Meio Ambiente. E se alguma dúvida havia, a ordem com que os ministros foram sendo nomeados foi, coerentemente, a ordem de prioridades que o governo que assume em 1º de janeiro de 2019 dá a seu projeto político: o meio ambiente ocupa o último lugar e as finanças o primeiro. Para garantir essa política nomeou-se, também pela ordem, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, o Ministério da Defesa e o Ministério das Relações Exteriores.
Chama a atenção que o superministério da economia, liderado pelo economista especializado em finanças Paulo Guedes, não tenha o Ministério da Agricultura sob sua tutela. O que dá conta da centralidade que as oligarquias latifundiárias do agronegócio têm nos destinos da sociedade brasileira. Diga-se, de passagem, que o governo ofereceu aos agronegociantes abraçarem o meio ambiente na pasta da agricultura, o que foi liminarmente recusado pelo setor que, assim, se livrava de cuidar do meio ambiente. Não poderiam ser mais explícitos e coerentes.
Tudo leva a crer que a sanha ideológica do livre mercado esteja cegando os novos governantes do país. Inclusive no que diz respeito à política externa e o lugar que o Brasil deve ocupar no mundo por sua clara vocação política derivada de sua própria natureza tropical. É isso mesmo, é preciso lembrar que somos um país tropical, o que não é qualquer coisa, ainda mais quando se é o maior país tropical do mundo, o que parece não ter a menor importância política. E sobre isso, o futuro governo não está sozinho, é preciso destacar.
Nesse sentido, acompanhar de modo ideologicamente automático a política externa dos EEUU, com vêm manifestando de modo infantil os recém-eleitos Vice-Presidente, o General Hamilton Mourão, e o Deputado Eduardo Bolsonaro, chega à beira de serem bem caracterizados como lesas-pátrias. Afinal, sair do Tratado de Paris ainda faz algum sentido para um país como os EEUU
(1) pelo lugar que ocupa o complexo fossilista dos combustíveis fósseis – carvão, petróleo e gás
- nas relações de poder internas da sociedade estadunidense, (2) pelo lugar que ocupam as corporações e o estado norte-americano na geopolítica mundial e, pouco se diz, (3) pelo fato dos EEUU ser um país de clima temperado e, portanto, não poder contar com a tropicalidade como um trunfo na sua política externa. Só esse fato indica que não podemos acompanhar automaticamente os EEUU na sua política externa, por mais ideologicamente que se esteja comprometido com o interamericanismo que a caracteriza desde a Doutrina Monroe (1823) à ALCA (1994-2005).
O fato de sermos o maior país tropical do mundo implica que temos disponível energia
renovável diariamente, que é a energia que nos dá o Sol nosso de cada dia. Essa energia faz evapotranspirar a maior floresta do mundo em densidade de biomassa por hectare, em média de 500 a 700 toneladas de biomassa por hectare, sendo que aproximadamente 70% dessa biomassa é água. Enfim, a Floresta Amazônica com seus mais de 8 milhões de Km² é um verdadeiro “oceano verde” e é da sua evapotranspiração que se formam os chamados “rios voadores” que vão tornar possível toda a agricultura dos cerrados e de vastas regiões do Brasil e do Caribe e mesmo do Sul dos EEUU. Para não falarmos do efeito albedo que afetaria toda a humanidade e o planeta com uma possível devastação das florestas tropicais, entre elas a da Amazônia. Isso exigiria do governo brasileiro uma aproximação com todos os países amazônicos da América do Sul, igualmente soberanos desses 8 milhões de hectares de floresta e da maior bacia hidrográfica que mundo conhece.
O fato de termos sob nossa soberania essa condição de tropicalidade, implica uma enorme responsabilidade, inclusive pelo significado que a Amazônia e seus povos têm para com o planeta e a humanidade. Para que não paire dúvidas sobre a importância de seus povos registre- se que a Amazônia é ocupada pelo menos a 17.000 anos na atual Colômbia (Formação Chiribiquete) e no atual território brasileiro a 11.200 anos (Sítio de Pedra Pintada, em Monte Alegre, Pará) e ninguém vive tanto tempo numa área sem conhecê-la, conhecimento esse que está materializado em saberes de pesca, em saberes de caça, em saberes de coleta, em saberes de cultivos, em saberes de cura (medicinas) e em saberes de proteção das intempéries (arquiteturas). Isso exigiria um pouco menos de ideologia na política externa e mais compromisso com o país e a complexa diversidade cultural da sociedade brasileira. Por mais paradoxal que possa parecer, exige uma posição soberanamente brasileira para afirmar nossas responsabilidades com a comunidade internacional e com os destinos do planeta. Para não irmos ainda mais longe: considere-se o significado de sermos um país tropical num momento em que a humanidade se encontra diante da disjuntiva de buscar uma transição energética, seja por razões climáticas ou por razões democráticas de ampliar o espectro de escolhas e não nos tornar dependentes de uma só matriz energética com todas as implicações de poder derivadas de qualquer monopólio tecnológico. Enfim, é preciso admitir que o Brasil tem, enquanto Brasil, responsabilidades diante da comunidade internacional e do planeta. Enfim, é preciso mais Brasil e menos um americanismo infantil, com todo respeito que a sociedade estadunidense nos inspira, sobretudo seu povo, o primeiro no mundo a romper enquanto país, em 1776, com a dependência colonial.
[1] Versos da poesia musical País Tropical de Jorge Bem Jor.
* Professor Titular do Departamento de Geografia da Universidade Federal Fluminense. Prêmio Chico Mendes em Ciência Tecnologia do Ministério do Meio Ambiente, 2004. Autor de diversos artigos e livros entre eles A Globalização da Natureza e a Natureza da Globalização, Editora Civilização Brasileira, 2008 e Amazônia: Encruzilhada Civilizatória: tensões territoriais em curso, Editora Consequência, 2018.