Alterações climáticas são sentidas no país (Angola) | Land Portal

Angola representa somente 0,17 por cento das emissões de gases com efeito de estufa. Contudo os efeitos das alterações climáticas já são sentidos no país de muitas formas, que são evidenciadas pelo agravamento e encurtamento dos ciclos de seca e alta precipitação, que colocam em risco a agricultura, infra-estruturas sociais e económicas e o aumento da incidência de várias endemias.

Em entrevista ao Jornal de Angola, o ambientalista e director executivo da Fundação Kissama, Vladimir Russo, defende que a redução da emissão de gases de efeito de estufa, da produção energética actualmente muito dependente de centrais térmicas e geradores individuais, a criação de um programa de reflorestação sério e uma gestão sustentável dos recursos florestais pode também permitir ao país demonstrar, nesta área, exemplos práticos de defesa contra as alterações climáticas. 

Jornal de Angola - Qual o diagnóstico que faz do estado ambiental em Angola?

Vladimir Russo - Angola continua a ser um país com uma rica biodiversidade, particularmente a nível da flora e dos seus recursos hídricos, mas que se encontra ainda refém de um planeamento inadequado que resulta numa degradação ambiental acentuada, particularmente nas zonas urbanas. É uma Angola cujo diagnóstico ambiental demonstra potencialidades e também fragilidades e cujo desenvolvimento deve estar assente nos princípios do desenvolvimento sustentável de forma a garantir a gestão sustentável dos seus recursos.

Jornal de Angola - Como Angola pode tornar-se um exemplo para o Mundo no combate às alterações climáticas?

Vladimir Russo - Uma das principais formas está relacionada com a redução da emissão de gases de efeito de estufa, da produção energética actualmente muito dependente de centrais térmicas e geradores individuais. Uma matriz energética mais limpa com fontes hídricas e solares, a curto prazo, poderá transformar Angola num exemplo na região. Por outro lado, um programa de reflorestação sério e uma gestão sustentável dos recursos florestais pode também permitir ao país demonstrar, nesta área, exemplos práticos de mitigação às alterações climáticas. Mas para que isso aconteça há uma premente necessidade de se formarem recursos humanos.

Jornal de Angola - Como tornar os problemas ambientais numa preocupação de todos e cada um?

Vladimir Russo - Deve haver uma maior responsabilização de cada cidadão, conforme estabelecido na nossa Constituição, que indica que todo o cidadão tem o dever de defender e preservar o ambiente. Aqui, os programas de educação e sensibilização ambiental jogam um papel importante como forma de alertarem as pessoas para a ligação entre ambiente e qualidade de vida. É preciso que tais programas sejam contínuos e contextualmente relevantes para cada cidadão. Esta contextualização é feita com base na prática e na experiência de recursos humanos responsáveis para a sua implementação.

Jornal de Angola - Que consequências existem para o ambiente resultantes do desordenado crescimento urbano e demográfico?

Vladimir Russo - Há duas principais consequências. A primeira, é a degradação do meio e da qualidade de vida das pessoas como resultado do aumento de resíduos sólidos e efluentes líquidos não tratados e remoção dos elementos arbóreos importantes para a manutenção da salubridade do meio. Outra consequência é a delapidação dos recursos naturais associada a uma pressão sobre o meio, que também resulta na degradação do mesmo, com consequências negativas para a saúde das populações.

Jornal de Angola - O nível de consciência em Angola sobre a preservação ambiental já é ­satisfatório?

Vladimir Russo - Tem estado a reduzir a cada ano, muito por culpa das dificuldades que as pessoas atravessam, pois é reconhecido que a pobreza é uma das principais causas da degradação ambiental. A ausência de programas contínuos de educação ambiental, a elevada dependência dos recursos naturais para a sobrevivência das populações e a deficiente fiscalização são algumas das razões do baixo nível de consciência ambiental.

Jornal de Angola - Como pode haver uma diminuição do número de pessoas afectadas por doenças causadas por problemas ambientais? 

Vladimir Russo - Grande parte dos problemas de saúde causados por problemas ambientais podem ser prevenidos e evitados se existir uma gestão ambiental adequada. Havendo um gestão correcta dos resíduos sólidos e dos efluentes, uma exploração equilibrada dos recursos naturais, a realização de estudos de impacto ambiental e a implementação das suas medidas de mitigação, vai resultar numa melhor protecção da qualidade de vida das pessoas. A fiscalização das actividades com impactos sobre o ambiente e sobre a qualidade de vida das pessoas é também uma forma de minimizar as questões de saúde causadas por problemas ambientais.

Jornal de Angola - A arborização das cidades angolanas adequa-se aos padrões modernos? O que deve ser corrigido?

Vladimir Russo - A arborização das cidades de Angola está longe dos padrões modernos, pelo contrário. Primeiro, porque há mais corte e remoção de vegetação do que plantação e arborização. Para corrigir este problema, primeiro, deverão ser seguidos critérios e boas práticas de arborização para as áreas urbanas, que incluem, tal como previsto no Plano Director Geral Metropolitano de Luanda (PDGML), cerca de 0,6 hectares de área verde para cada 1.000 habitantes. Depois, é necessário que a arborização seja feita com espécies adequadas ao local, seja ela rua, jardim, etc. Por último, deve haver uma manutenção adequada dos espaços verdes.

Jornal de Angola - Que grandes erros podem ter sido cometidos no período colonial em relação à arborização das cidades angolanas?

Vladimir Russo - O grande erro está relacionado com os tempos modernos em alguns país africanos: a expansão urbana. Houve necessidade, primeiro, de estabelecer as vilas e depois consolidar as cidades e isto foi feito aos poucos, desbravando áreas verdes. Todavia, há mais de 100 anos já havia planificação e a cidade não cresceu torta e sem regras e o resultado disso foram os inúmeros espaços verdes que herdámos no período pré-Independência e que, infelizmente, não tivemos a capacidade de os manter intactos. Exemplos disso são a floresta da Ilha de Luanda, a zona verde do Alvalade e muitos largos que deram lugar a parques de estacionamento e edifícios, principalmente em Luanda.

Jornal de Angola - Sendo a natureza um bem colectivo, como o Estado garante o direito a um ambiente ecologicamente equilibrado?

Vladimir Russo - Assim está definido no artigo 39.º da nossa Constituição que passo a citar: “O Estado adopta as medidas necessárias à protecção do ambiente e das espécies da flora e da fauna em todo o território nacional (...) no quadro de um desenvolvimento sustentável e do respeito pelos direitos das gerações futuras e da preservação das diferentes espécies.”

Jornal de Angola - Qual a importância da reciclagem para o ambiente?

Vladimir Russo - O processo de reciclagem permite que os resíduos sólidos, normalmente considerados como lixo, passem a ser considerados como matéria-prima, permitindo, primeiro, reduzir a pressão sobre os recursos e depois trazer uma série de benefícios relacionados com a criação de postos de trabalho para pessoas com menos qualificações, redução da importação de matéria-prima e geração de riqueza. Já existem alguns exemplos de sucesso no país cujos resultados poderão ser maximizados quando a indústria tiver acesso à energia e água da rede.

Jornal de Angola - Como pode o país tirar proveito económico desenvolvendo uma indústria de reciclagem forte?

Vladimir Russo - Este proveito deve começar primeiro pelo acesso à água da rede e energia eléctrica sem recurso a geradores. Depois, o Executivo deverá criar um conjunto de incentivos fiscais para quem está interessado em investir na área de reciclagem, da reutilização de resíduos e da produção energética tendo como fonte os resíduos orgânicos.

Jornal de Angola - Para si, é curial a imposição de uma taxa ecológica aos proprietários de viaturas devido à emissão de gases poluentes?

Vladimir Russo - Não, pois não há alternativas de transportes públicos acessíveis e eficientes. Por exemplo, já há bastantes críticas sobre a “taxa de circulação” pois não é visível a melhoria do estado das vias. O mesmo irá acontecer com a “taxa de saneamento”, pois as pessoas vão começar a pagar e os serviços poderão não melhorar de forma imediata. Não se devem criar taxas quando não há alternativas, sob pena de apenas agravar a situação.

Jornal de Angola - Há um vazio legislativo em relação à necessidade de responsabilização de empresas que provocam danos ao ambiente, entre as quais do sector petrolífero?

Vladimir Russo - Não existe nenhuma vazio legislativo, pelo contrário, temos legislação suficiente avulsa e no sector do ambiente para punir administrativa e criminalmente quem atentar contra o ambiente. Não tem havido casos de punição exemplar, não obstante existir uma série de casos claros de poluição do meio ambiente. A grande debilidade está na aplicação da lei e na ausência de aplicação da componente criminal, isto é, a aplicação de penas que levem à cadeia quem prevarica o ambiente.

Jornal de Angola - Qual é o nível de engajamento de Angola na campanha promovida pelas Nações Unidas contra a poluição dos oceanos provocada pelo consumo de plástico? 

Vladimir Russo - Praticamente nulo. Não são desenvolvidas acções concretas,  particularmente as pró-activas. Estamos quase sempre a reagir aos problemas, tentando soluções rápidas, mas sem uma visão de longo prazo. Falou-se, por exemplo, da cobrança dos sacos de plástico por parte das grandes superfícies, mas o passo de aprovação de legislação não foi dado. E com isso temos plásticos em todo o lado que acabam no oceano, no entupimento das sarjetas, na morte de aves e tartarugas marinhas.

Jornal de Angola - Qual é o índice de desflorestação em Angola? É preocupante?

Vladimir Russo - Não existem dados concretos, apesar de haver alguns indicadores obtidos através do inventário florestal realizado pelo Ministério da Agricultura. Do meu ponto de vista, analisando o que tem acontecido um pouco por toda a Angola em termos de exploração florestal, expansão urbana e agrícola e queimadas, parece-me que existe uma elevada pressão sobre os recursos florestais. Isto é agravado pela pouca expressividade das acções de reflorestação e pelas necessidades energéticas das populações rurais em termos de consumo de lenha e fabrico de carvão.

Jornal de Angola - Como desencorajar a prática tradicional do corte de árvores de forma indiscriminada para a produção de lenha e de uso do fogo para transformar terrenos florestais em terrenos agrícolas ou pastagens, entre outros?  

Vladimir Russo - Para as comunidades rurais é necessário sensibilização e formação, assim como alternativas à lenha, nomeadamente fogareiros melhorados, fogareiros solares ou provimento de gás butano, aonde for possível. Para os grandes projectos agro-pecuários, de corte de vegetação e serrações ou quaisquer outros com impacto significativo sobre as florestas, deverão ser elaborados estudos de impacto ambiental, cujas medidas de mitigação deverão conter acções de reflorestação e de recuperação de áreas degradadas.

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