“Destruíram as nossas plantações, mas não nos destruíram”: nota do Cimi Maranhão sobre o despejo dos Tremembé de Engenho | Land Portal

Sem direito de defesa plena em um processo que tampouco deveria ter corrido na Justiça Estadual, os Tremembé viram plantações e todo tipo de forma autodeterminada de vida amontoarem-se em escombros.

O povo Tremembé de Engenho viu policiais e tratores destruírem tudo o que tinham; algo além de tijolos, telhas e portas. Na quarta-feira, dia 19, o despejo determinado pela Justiça Estadual do Maranhão devastou tudo aquilo que compõe um território tradicional, em processo de demarcação, relegando os indígenas à vida periférica no município de São José do Ribamar.

 
Sem direito de defesa plena em um processo que tampouco deveria ter corrido na Justiça Estadual, os Tremembé viram plantações e todo tipo de forma autodeterminada de vida amontoarem-se em escombros sob a pá de um trator. Mais uma vez a Procuradoria da Funai não agiu, deixando os Tremembé sem suas garantias constitucionais e proteção do Estado.

 Ana Mendes/CimiToda a área era utilizada pelos Tremembé para plantações e demais intervenções agroflorestais. O excedente era comercializado no município. Foto: Ana Mendes/Cimi.

Missionários e missionárias do Cimi Regional Maranhão acompanham a jornada Tremembé desde o início e estiveram presentes na ação de despejo, junto de outras entidades de apoio e Defensoria Pública. “O braço armado do estado, contando com cerca de 150 soldados da polícia militar, tropa de choque, polícia rodoviária federal, estadual, até mesmo a guarda municipal de São José de Ribamar, amparou a ação dos tratores”, diz trecho de nota pública divulgada nesta sexta-feira, 21.
 
Conforme o texto, “o povo Tremembé reivindica o seu direito de defesa, contraditório, participação processual e denuncia a nulidade das decisões do TJ-MA, uma vez que a competência para o caso é da Justiça Federal. Os indígenas requerem o retorno ao seu território tradicional, uma vez que já foi dado início a primeira etapa de regularização e demarcação do território”.
 
Leia na íntegra:
 
Ana Mendes/Cimi
Indígena tenta impedir a passagem das tropas, que destruíram plantações com as próprias mãos. Foto: Ana Mendes
 
XXXIX Assembleia do Cimi, Regional Maranhão
 
Nota de repúdio contra o despejo do povo Tremembé de Engenho do seu território tradicional, em São José de Ribamar
 
“Aí daqueles que fazem decretos iníquos e daqueles que escrevem apressadamente sentenças de opressão, para negar a justiça ao fraco e fraldar o direito dos pobres do meu povo, para fazer das viúvas a sua presa e despojar os órfãos. O que farão vocês no dia do castigo, quando chegar a tempestade que vem de longe?…” (Is, 10, 1- 4)
 
Mesmo após a qualificação da demanda pela Funai, etapa que antecede o procedimento demarcatório, regulamentada por lei, a Justiça Estadual, por força do ex-deputado e ex-dono de cartório, Alberto Franco, levou adiante o despejo do povo Tremembé de Engenho, a destruição do território tradicional e dos meios de vida de dezenas de famílias. Ao povo não foi garantido quaisquer direitos à defesa jurídica.
 
O Conselho Indigenista Missionário (Cimi) regional Maranhão repudia e denuncia o que testemunhamos nesta quarta-feira, dia 19 de dezembro de 2018, na execução do mandado de reintegração de posse contra o povo indígena Tremembé de Engenho, no município de São José de Ribamar.
 
O braço armado do estado, contando com cerca de 150 soldados da polícia militar, tropa de choque, polícia rodoviária federal, estadual, até mesmo a guarda municipal de São José de Ribamar, amparou a ação dos tratores. Do povo foram destruídos os sistemas de produção, manejados sem a utilização de agrotóxicos: hortaliças, espécies frutíferas e açudes de criação de peixes, que abasteciam as feiras de Paço do Lumiar e São José de Ribamar. O povo foi atingido por bombas de gás lacrimogêneo enquanto tentava retirar a sua estrutura de irrigação, recém adquirida por financiamento do PRONAF (Banco Nordeste). O sistema foi todo destruído, deixando um grande endividamento para as famílias, as quais não terão mais formas de subsistir e liquidar suas obrigações, o que abala a sua dignidade e sua soberania alimentar e seu plano de vida no território tradicional.
 
Ainda com a presença de servidores da Funai no território, que concluíam a qualificação da demanda do povo, a Justiça Estadual consumou a destruição, literalmente como um trator, que não garantiu a defesa dos indígenas. Os servidores da Funai acionaram, há algumas semanas, o Departamento de Proteção Territorial (DPT). Enviaram informações e pedidos de defesa ao povo contra a reintegração de posse. Porém, esses informes simplesmente não foram repassados pelo DPT em tempo de subsidiar a atuação jurídica da procuradoria da Funai. Nesse cenário, e sem o apoio técnico e legal devido ao povo indígena Tremembé de Engenho, foi revoltante ao vermos o suposto “proprietário”, ex-dono do cartório de São José de Ribamar, rindo da desgraça consumada no território.
 
Mesmo contando com dois processos administrativos de regularização fundiária, em trâmite na Funai, e com a notícia de fato aberta pelo Ministério Público Federal (MPF) para o caso, o povo Tremembé não teve o amparo de ambas as procuradorias. Por sua própria organização, o povo indígena apresentou petições, em primeira e segunda instância, e ajuizou medida cautelar com pedido de tutela de urgência no plantão do Tribunal de Justiça do Maranhão. O desembargador plantonista não vislumbrou urgência na ordem iminente de reintegração de posse e remeteu o recurso para a apreciação do desembargador relator – o qual é amplamente denunciado ao CNJ por sua parcialidade no caso.
 
O povo Tremembé reivindica o seu direito de defesa, contraditório, participação processual e denuncia a nulidade das decisões do TJ-MA, uma vez que a competência para o caso é da Justiça Federal. Os indígenas requerem o retorno ao seu território tradicional, uma vez que já foi dado início a primeira etapa de regularização e demarcação do território.
 
Todos esses argumentos não foram enfrentados pela Justiça e, infelizmente, agora, a destruição foi consumada. Diante de todo esse “vácuo de atuação do Judiciário”, a 6ª Câmara de Populações Indígenas e Comunidades Tradicionais da Procuradoria-Geral da República (PGR) foi acionada, em Brasília.
 
Apesar do que repudiamos e testemunhamos, a Secretaria de Estado de Direitos Humanos e Participação Social do Maranhão (SEDHPOP) lançou uma nota comentando o quanto foi “pacífica” a reintegração. Para nós, ela foi a consumação, com aparato policial, da farsa de supostos títulos, em conluio com a “Justiça”, para a destruição de um território tradicional. Foi um atropelamento de vidas, do trabalho, da produção, subsistência. Uma ferida (re)aberta, não apenas na terra, mas no coração do povo Tremembé, em pleno espírito Natalino.
 
Junto ao povo, anunciamos: “Destruíram as nossas plantações, mas não nos destruíram”!
 
São Luís, 21 de dezembro de 2018
 
Ana Mendes/Cimi
Os Tremembé saíram da área, mas nutrem a esperança de um dia regressar para voltar a cultivar o chão tradicional. Foto: Ana Mendes/Cimi

 

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