Walter Lídio sugere "olho mágico" para a Lei de Terras
Fonte e foto: Grupo AMANHÃ
Por: Eugênio Esber
27/10/2016 | 19:57
CEO da Celulose Riograndense quer liberação da venda de grandes extensões para estrangeiros que tenham bons projetos
Como todos os seus pares da indústria de base florestal, o presidente da Celulose Riograndense, Walter Lídio Nunes (foto), anda animado com a disposição manifestada pelo governo Michel Temer de abrandar as restrições legais à compra de imóveis rurais por estrangeiros, entre outras medidas cogitadas pelo Planalto para atrair investimentos externos e destravar a economia. A conta varia, mas as estimativas mais otimistas dão conta de que grupos estrangeiros poderiam aportar até R$ 40 bilhões em empreendimentos agroindustriais se puderem comprar mais terras no Brasil. A própria Celulose Riograndense, que é controlada pela chilena CMPC e faz do Rio Grande do Sul sua base para exportar celulose de fibra curta de eucalipto, vê potencial para dobrar outra vez sua escala de produção. Para se ter uma ideia do que está em jogo, basta levar em conta que, na primeira duplicação, inaugurada em 2015, a fábrica de Guaíba absorveu um investimento de mais de R$ 5 bilhões – o maior até então registrado no extremo sul do país.
A queixa, em todo o setor, é de que o governo Lula exagerou ao barrar a compra de grandes extensões de terras por estrangeiros. Com o receio de que os chineses desembarcassem no Brasil comprando áreas com a mesma naturalidade com que se movem em alguns países africanos, a Procuradoria Geral da República emitiu em 2010 um parecer que teve o efeito de colocar o pé na porta. Agora, entidades como o Instituto Brasileiro da Árvore, que congrega as principais empresas do setor, aproveitam a maré favorável à atração de investimentos para defender regras flexíveis. Há quem pretenda um relaxamento total nos controles. Não é o caso de Walter Lídio.
– Não quero a tranca que foi colocada em 2010, nem porta escancarada. O que eu defendo é o olho mágico, para que possamos ver quem está querendo comprar terras no Brasil e avaliar se o projeto atende ao interesse do nosso país.
O “olho mágico” que o presidente da Celulose Riograndense está apregoando se daria pela criação de um Conselho de Terras. É sobre esta formulação que Walter Lídio conversou com AMANHÃ na sede da Celulose Riograndense, em Guaíba.
Que chances reais você vê, agora, para rever as restrições à compra de terras por estrangeiros?
O Brasil é um país continental que não explora todo o extraordinário potencial de desenvolvimento que tem por fatores estruturais diversos. E um destes fatores que atrasam o Brasil é a inexistência de poupança interna. Todos os países, hoje, dependem da migração de capitais, e nós devemos estar preocupados com isso. Não me refiro a capitais voláteis, mas aos capitais produtivos, que se internalizam no país para fazer girar a economia, provocar o desenvolvimento e gerar empregos. E neste contexto nós temos um ativo que eu considero estratégico – as terras. Mas elas de nada servirão se ficarem paradas, amontoadas, se não fizermos uso delas para o desenvolvimento do país. Precisamos tirar partido deste ativo.
O curioso é que este argumento de que as terras são um ativo estratégico também é usado pelos adversários da liberação de compra de imóveis rurais para estrangeiros.
Bom, quando se impediu o acesso de empresas brasileiras de capital estrangeiro à aquisição de terras a consequência foi a redução do fluxo de capitais para o Brasil, que na época significaria investimentos de R$ 67 bilhões em setores como celulose, álcool e uma série de insumos. O que eu sempre defendi, quando falo em valor estratégico de nossas terras, é que o governo trabalhe um ordenamento que alavanque o país. O Brasil pode criar expedientes e mecanismos de controle de tal modo que possa atrair aqueles negócios que, do ponto de vista dos interesses brasileiros, seja positivo internalizar aqui. Estou falando de empresas brasileiras de capital estrangeiro – portanto, companhias sujeitas à caneta brasileira, e que venham para cá no interesse de uma visão estratégica de Brasil. Terra não se coloca nas costas e se leva embora. Terra é ativo para empresas nacionais de capital estrangeiro que queiram participar do nosso desenvolvimento, trazer recursos e gerar prosperidade e emprego.
Como seriam estes mecanismos de controle a que você se refere?
Na época do debate sobre o parecer da AGU, eu até propus a criação de um Conselho Nacional de Terras, que teria representantes dos principais ministérios: Planejamento, Meio Ambiente, Agricultura, Desenvolvimento... A empresa de capital estrangeiro que quiser adquirir terras apresenta seu projeto para este Conselho, explicando todas as suas etapas, como será o seu desdobramento, de que modo agrega valor ao país. E o Conselho dá seu parecer, considerando o interesse do país, naturalmente. Pensei em uma composição o mais plural possível: Meio Ambiente para atestar que o projeto não traz risco de degradação ambiental, o Exército para ver a questão das fronteiras, o Incra para considerar demarcação fundiária e integração dos produtores... Imagino que o Conselho de Terras possa ser vinculado ao Ministério do Planejamento, para que tenha sempre a visão de longo prazo do país que queremos – algo que, a meu ver, está fazendo falta.
Que critérios, a seu ver, deveriam nortear a análise que o Conselho faria sobre cada projeto de aquisição de terras?
Vejo alguns direcionadores que seriam importantes. A aquisição é para uma atividade econômica que utiliza a nossa base fundiária de um modo que interessa ao Brasil? Esta atividade contribui em certo grau para um adensamento da cadeia de agregação de valor e geração de empregos aqui dentro do país, em vez de simplesmente significar exportação de matéria-prima sem industrialização? É claro que se eu planto florestas não significa que eu tenha aqui dentro, necessariamente, o último elo de adensamento da cadeia, até porque isso não faz sentido em uma economia globalizada como a que temos, em que não se pode ser o mais competitivo do mundo em absolutamente tudo. Mas quem compra terras deve ter um projeto que proporcione ao menos um razoável grau de adensamento da cadeia, ou contribua para a formação de clusters competitivos. Outro direcionador: as terras estão em uma área do país, ou de uma região do país, que seja interessante desenvolver?
Uma vez aprovado o projeto, haverá alguma supervisão?
Sim, haverá. Em primeiro lugar, porque no Brasil sempre se desconfia de que há uma distância entre o que é prometido e o que é feito. Então, no projeto que apresentei, eu propus algumas coisas periféricas. O governo nem precisa fiscalizar. Basta contratar firmas de auditoria reconhecidas, como fazemos na área contábil, para checar se o empreendedor está cumprindo aquilo que se comprometeu a fazer perante o governo.
A quem você apresentou a proposta?
Expus a vários líderes políticos. Um deles foi o Fernando Henrique, que recebeu bem. Mostrei aos deputados da bancada ruralista. Mas eles apresentaram um outro projeto eliminando qualquer restrição. O que eu proponho é um processo que não seja nem à direita, nem à esquerda. A realidade é que foram fatores políticos que determinaram aquele parecer da AGU obstaculizando a compra de terras por estrangeiros. O ano era 2010, Lula concluía o segundo mandato e Dilma concorria pela primeira vez. Havia uma inquietação, um receio sobre compra de terras por estrangeiros. Depois que saiu o parecer da AGU fechando a porta, eu disse a vários deputados: minha gente, vejam o que estamos fazendo com o país ao barrar investimentos estrangeiros sem qualquer critério ou distinção... Imagine que você mora em um apartamento. Tem gente que você quer receber, tem gente que você não quer. Não faz sentido colocar uma tranca na porta para impedir todo mundo de entrar. Eu colocaria um olho mágico, ao invés da tranca. Você espia e vê se quem está batendo na porta é um cara que você quer receber. Se for, você abre a porta com prazer e até oferece um copo de vinho. Do contrário, não deixa entrar de jeito nenhum.
Por exemplo?
Fundos soberanos. Acho que para eles não devemos liberar a compra de terras. As nossas terras são um ativo que deve ser colocado à disposição de empresas, tanto de capital brasileiro quanto estrangeiro, que venham gerar emprego – e emprego de qualidade.
Como outros países estão tratando o tema da aquisição de terras por estrangeiros?
Os Estados Unidos, que também é um país continental, administra isso de “n” maneiras, mas de modo geral não há maiores obstáculos. Se tu vais lá produzir, está ok. A China trabalha com vários regimes de concessão, é um caso diferenciado. Eles têm dez vezes mais florestas que o Brasil. Canadá é grande, mas boa parte é gelo, não tem esse foco na utilização da terra. Na Austrália há relativa liberalidade, embora as restrições ambientais sejam muito fortes. Não há muito empreendimento de celulose por lá. Na Argentina o sistema político é complicado, mas tu podes comprar terras, não há problema. E tem o continente africano, mas não se pode fazer muita comparação porque depende do país de que se está falando. Em Gana tu podes ganhar do governo uma concessão de 1 milhão de hectares, por exemplo.
É o extremo oposto.
Sim, é um extremo que não serve de comparação. Mas os países estão tentando atrair investimentos e entre outras medidas estimulam o cultivo de suas terras. A Jordânia já esteve aqui oferecendo 200 mil hectares para nós, no tempo em que éramos Aracruz. O Peru também quis nos levar para lá. O governo de Alan Garcia fez um esforço muito grande para captar investidores e várias empresas americanas foram para lá. O Paraguai também nos consultou sobre possibilidade de empreender por lá. Inclusive o governo paraguaio mandou para cá um pessoal para ver como funciona o nosso setor, com o objetivo de criar um sistema regulatório para atração de investimentos relacionados ao cultivo de terras. O Brasil tem de ser atrativo também para esses empreendimentos. Repito, estamos falando de uma empresa brasileira de capital estrangeiro, como está previsto na constituição do país. Está, portanto, totalmente sujeita à caneta brasileira. Qual é o risco que temos? Não há risco. A não ser xenofobia, aqueles medos que estão no subconsciente das pessoas – “eles vão vir e vão tomar conta, vão dominar o país”, essas coisas.
Medo que se conecta com o que acontece em países africanos.
É. Mas a África não serve de parâmetro. Em certos países da região, há uma organização quase tribal, sem sistema político nenhum. Em outros, como em Gana, há uma estrutura mais forte.
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