Fonte: Rede Brasil Atual
foto: GOLPE NA FLORESTA Jatobá, em extinção, vai ao chão no Pará: governo quer agilizar processos de licenciamento ambiental
por Maurício Thuswohl
publicado 15/11/2016 18:00
Os poucos avanços na legislação dos últimos 20 anos podem desaparecer com o golpe acelerado do agronegócio no poder
Nas últimas duas décadas, em que pesem retrocessos em alguns temas ou as polêmicas suscitadas pelo processo de renovação do Código Florestal, a legislação avançou no que diz respeito a proteção de florestas e biodiversidade, assim como aumentou em todos os biomas brasileiros o número de parques e outras unidades de conservação. Esses avanços, no entanto, correm sério risco. O governo Michel Temer, desde sua efetivação, orienta a maior ofensiva contra a legislação ambiental brasileira desde o fim da ditadura.
A partir de 12 de setembro, o Brasil tornou-se oficialmente signatário do Acordo de Paris, documento que tem como principal objetivo estabelecer metas de redução das emissões de gases de efeito estufa para que o aumento da temperatura global seja limitado a 1,5 grau Celsius acima dos níveis industriais até o ano de 2050 (leia mais na edição 116). A posição de vanguarda, no entanto, parece ter sido adotada apenas para consumo externo, já que no Congresso uma série de medidas promete flexibilizar a legislação ambiental brasileira.
A bancada ruralista, após emplacar dois ministros de peso no governo Temer – Blairo Maggi, na Agricultura, e Osmar Terra, no Desenvolvimento Social e Agrário –, quer aproveitar o momento para tornar mais palatável às empresas nacionais e internacionais a legislação nacional em temas como biodiversidade, mineração, demarcações de terra, direitos indígenas, transgênicos e licenciamento ambiental.
O alicerce das mudanças é o Programa de Parcerias e Investimentos (PPI), aprovado na Câmara, que prevê uma série de privatizações e concessões de empreendimentos de infraestrutura à iniciativa privada. “Essa proposta institui uma governança de camarilha, centralizando decisões e ações em um grupo restrito em torno do presidente”, diz o deputado Nilto Tatto (PT-SP).
Secretário-executivo do PPI, o dirigente peemedebista Moreira Franco afirma que o programa tem o objetivo de “dar maior segurança jurídica aos investidores” e “garantir celeridade aos empreendimentos”. Na seara ambiental, adverte o deputado, isso significa que “a regra principal passa a ser licenciar rapidamente e a qualquer custo”.
Na visão do governo, a desejada maior celeridade nos projetos do PPI só será conquistada se for possível “destravar” o processo de licenciamento ambiental dos grandes empreendimentos. Temer incumbiu o Ministério do Meio Ambiente (MMA) de elaborar um projeto único com esse fim, apresentado à Câmara ainda em outubro.
A proposta elaborada pelo ministro Sarney Filho – para quem “o Brasil não pode mais correr o risco de ter obras paralisadas pela demora dos órgãos ambientais ou pelos questionamentos do Ministério Público na Justiça” – tem itens como a redução do prazo para análises dos pedidos de licença prévia e realização de estudos de impacto ambiental de 15 meses para um ano. Em relação à licença de instalação, a redução pretendida pelo governo é de oito para seis meses. As consultas públicas realizadas pelos órgãos ambientais na internet também seriam interrompidas.
Antes mesmo de formalizar suas propostas, o governo já sofria pressões de ambientalistas e do Ministério Público Federal. Em 6 de outubro, os procuradores enviaram ao MMA uma nota técnica com sugestões de modificações no projeto, feitas a partir da análise dos grupos de trabalho do MPF para Grandes Empreendimentos e Meio Ambiente e Patrimônio Cultural. A nota destaca problemas como ausência de diálogo e de transparência.
Em seminário realizado em setembro na Câmara, o MPF alertou sobre a ameaça. “Estamos vinculados aos princípios da precaução, da participação, da vedação ao retrocesso e do poluidor-pagador. Não há como fazer mudanças legislativas tentando se afastar desses princípios, porque estaremos nos afastando do Estado constitucional”, disse Fabiana Schneider, procuradora da República.
Agenda regressiva
Outros projetos atualmente em trâmite no Congresso, se aprovados, poderão desmontar a política ambiental construída no Brasil nas últimas duas décadas. No que diz respeito à biodiversidade, a maior ameaça é o Projeto de Lei do Senado (PLS) 620/2015, elaborado por Marcelo Crivella (PRB-RJ), ex-ministro da Pesca, e relatado por Benedito de Lira (PP-AL). A proposta altera a Lei da Política Nacional de Recursos Hídricos e a Lei da Aquicultura e Pesca para dispor sobre o licenciamento da instalação de parques e áreas aquícolas situados em águas de domínio da União nos lagos de hidrelétricas, açudes e barragens e que ocupem até 0,5% da área de superfície do respectivo corpo de água.
O PLS 620 está em análise pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). “Nas entrelinhas, esse projeto fragiliza os dispositivos de controle sobre as atividades do setor pesqueiro e permite que essa atividade aconteça sem a concessão de licença pelo órgão competente. Isso abre as portas para a introdução de espécies exóticas, uma das maiores ameaças à biodiversidade dos peixes nativos”, diz Pedro Aranha, do Fórum Brasileiro de ONGs sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (FBOMS).
Proposta já aprovada na Câmara e que aguarda a apreciação do Senado, o Projeto de Lei 4.148/2008, de Luis Carlos Heinze (PP-RS) e relatado pelo atual ministro da Saúde, Ricardo Barros (PP-PR), pretende alterar a lei de rotulagem de transgênicos. O projeto desobriga as empresas de inserir o já tradicional símbolo do triângulo amarelo com a letra “T”, que informa aos consumidores a existência de transgênicos nos produtos, mantendo a obrigação apenas para os produtos que ultrapassarem a marca de 1% de transgenia em sua composição final. A rotulagem, segundo a proposta, não seria mais obrigatória para “indicação da presença de DNA ou proteína resultante da modificação genética”.
No Senado, esse PL será relatado na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária pelo ruralista Cidinho Santos (PR-MT), suplente de Blairo Maggi. O Instituto de Defesa do Consumidor (Idec) criticou a escolha. “O agronegócio é um setor que se posiciona aberta e publicamente contra a rotulagem de transgênicos. Não é adequado que um senador ligado ao agronegócio seja responsável por avaliar qualquer proposta relativa ao tema”, diz Ana Paula Bortoletto, pesquisadora do Idec.
Por enquanto, a rotulagem dos produtos transgênicos, independentemente do teor de ingredientes geneticamente modificados neles contidos, é garantida por uma decisão liminar do ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF). O governo, no entanto, deu entrada em setembro em um pedido de reconsideração da liminar ou envio do processo para a 1ª Turma do STF, composta pelos ministros Luís Roberto Barroso (presidente), Luiz Fux, Marco Aurélio Mello e Rosa Weber. Em uma turma com cinco ministros, um processo se decide em três votos, metade da maioria exigida no pleno.
Direitos indígenas
O retrocesso também ameaça direitos indígenas. Na Câmara, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 215/2000, elaborada por Amir Sá (PRB-RR) e relatada por Osmar Serraglio (PMDB-PR), traduz uma das principais bandeiras ruralistas ao propor que o Congresso Nacional, e não mais o Executivo, passe a dar a última palavra sobre a demarcação de terras indígenas. A proposta já passou por comissões e está pronta para ir ao plenário. Se aprovada, seguirá para o Senado. A PEC 215 é fortemente denunciada pelas entidades que compõem a Mobilização Nacional Indígena, e 48 senadores já assinaram um manifesto por seu arquivamento.
Considerados complementares à PEC 215, os Projetos de Lei 1.216/2015, de autoria de Covatti Filho (PP-RS), e 1.218/2015, do deputado Victorio Galli (PSC-MT), regulamentam o artigo 231 da Constituição e o artigo 67 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Ambos determinam que somente possam ocorrer expropriações em terras que tenham sido homologadas nos primeiros cinco anos após a promulgação da Constituição de 1988.
Outra ameaça aos direitos indígenas é a PEC 76/2011, do ministro Blairo Maggi, relatada pelo senador Valdir Raupp (PMDB-RO). Pronta para votação em plenário, a proposta trata do “aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas”. Embora o texto fale em “ouvir as comunidades afetadas”, os críticos são contundentes. “A proposta tem o único intuito de abrir as terras indígenas às grandes hidrelétricas”, afirma Maurício Guetta, advogado do Instituto Socioambiental (ISA).
A ofensiva promovida pelo governo Temer sobre os direitos indígenas foi denunciada em setembro durante reunião do Conselho de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas (ONU). Um evento paralelo intitulado “Direitos Indígenas: perspectivas em tempos de retrocesso e violência no Brasil” foi organizado por entidades como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e a Voz das Mulheres Indígenas. “Os povos indígenas já se sentiam ameaçados nos outros governos, mas isso piorou muito”, critica Sonia Guajajara, coordenadora da Apib.
Já o desejo do governo de aprovar um novo Código de Mineração ainda este ano pode se materializar na aprovação do PL 37/2011, do deputado federal Weliton Prado (PMB-MG), relatado por Laudívio Carvalho (SD-MG). O projeto está com a Comissão Especial de Mineração da Câmara, e pode seguir a qualquer momento para votação em plenário. A mineração também faz parte do desejo de privatização manifestado pelo governo Temer, e quatro áreas para exploração de cobre, carvão, fosfato e zinco foram incluídas no PPI. O PL 37/2011, de interesse das grandes mineradoras, pretende simplificar procedimentos de grande impacto e traz poucas salvaguardas ambientais, sociais e trabalhistas para as populações e áreas afetadas”, afirma o ISA.
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