Governo de Moçambique, que vai tornar-se sócio da Kenmare, pressiona cedência de local sagrado para extracção de areias pesadas
Fonte: @Verdade
Autor: Adérito Caldeira
ESTE ARTIGO FOI ESCRITO NO ÂMBITO DO PROJECTO DE MEDIA PARA O DESENVOLVIMENTO DE ÁFRICA DA VITA/Afronline( de Itália) E O JORNAL @VERDADE.
31 Agosto 2016
A Kenmare Resources plc que explora há cerca de uma década as areias pesadas na província de Nampula, pagando poucos impostos ao Estado e sem trazer melhorias significativas na vida dos moçambicanos pretende agora destruir um local sagrado para os naturais da Região, o monte Filipe. “(...)Desde pequena que a população vem realizando culto naquela montanha (…) agora são pessoas que vem fora exigir a destruição, que nos digam que estão a vender a terra aos poucos” desabafa Suhura Amuza, rainha do agora distrito de Larde. Alheio à Lei de Minas o Governo de Filipe Nyusi, que vai tornar-se sócio da multinacional, tem coagido os cidadãos locais a aceitarem o desejo da mineradora irlandesa.
Que o nosso País tem boa legislação não é novidade. Também não é novidade que o Governo, nas disputa entre investidores internacionais e os moçambicanos, toma partido dos estrangeiros. Desde o estabelecimento da Kenmare em Moma e em Larde que mantém uma relação conflituosa com os moçambicanos que foram forçados a deixar as suas terras para que a multinacional extraísse areias pesadas sem no entanto ter trazido mais qualidade de vida para uma região onde não há água potável, saneamento básico, estrada alcatroada ou mesmo empregos.
Refira-se que desde que iniciou a efectiva exploração das reservas minerais, em 2007, a mineradora tem pago poucos impostos primeiro beneficiando-se de um generoso regime fiscal negociado com o Governo do partido Frelimo e porque montou uma estrutura accionista e de organização (sediada nas Maurícias, um paraíso fiscal) preparada, de antemão, para a evasão fiscal.
“Não paga IVA, nem taxas de importação e de exportação, e os impostos sobre o rendimento da empresa nas actividades de mineração são reduzidos a metade nos primeiros dez anos de produção. A parte de processamento e exportação da empresa está situada uma zona franca industrial e só vai terá de pagar 1% das receitas fiscais ao fim de seis anos de produção” constatou em 2013 um estudo do Centro de Integridade Pública(CIP) que refere ainda que “a Kenmare pagou 3,5 milhões de USD de impostos a Moçambique no período 2008-2011, o que equivale a um cêntimo por cada dólar de receita realizado nesse mesmo período. Essa percentagem está a diminuir”.
Ironicamente passada uma década, quando a Kenmare deveria começar a pagar mais impostos, a mineradora irlandesa parou de dar lucros, alegadamente devido a queda dos preços das areias pesadas nos mercados internacionais e mais de uma centena de trabalhadores moçambicanos foi despedida.
Kenmare pretende destruir local de culto rico em ilmenite e zircão
[Foto da Kenmare] Nos seus projectos de extracção de minério a Kenmare prevê alargar no final deste ano, e até 2018, a mineração até uma área onde está localizado um pequeno monte denominado Filipe. Local sagrado para os naturais, jazigos de ilmenite e zircão para a multinacional.
O relatório semestral da Kenmare refere que “a área está dentro da Concessão Mineira; no entanto, tem havido alguma oposição à mineração do monte Filipe por razões espirituais e económicas (…) Se a questão não ser resolvida em tempo oportuno uma mudança de planos para evitar o monte Filipe poderia ter um efeito adverso sobre a produção e, consequentemente, sobre a actividade da empresa” que resultarão em resultados operacionais e financeiros pouco satisfatórios.
“O Governador da província disse que destruindo-se o monte Filipe vão encontrar muitas reservas de minérios de áreas pesadas, a produção da empresa Kenmare vai aumentar, e vai aumentar igualmente, os investimentos referentes aos projectos de responsabilidade social em Larde e Moma” disse ao @Verdade Francisco Lima Bramugy, um dos 15 líderes comunitário do distrito de Larde convocados pelo Governador de Nampula, Victor Borges, para um encontro sobre o assunto no passado de 19 de Julho na capital provincial.
“Sem palavra dos líderes, nada vai se fazer no monte Filipe”
“Antes da morte do Régulo Mathapa, pessoa que representava todo o distrito, a empresa foi atribuída uma área em redor do monte para evitar a tal destruição, e para salvaguardar os nossos hábitos e costumes. Terminada a sua exploração da área atribuída, estão a pressionar a cedência da outra área remanescente que inclui o próprio monte” explicou ao @Verdade Bramugy questionando “onde iremos prosseguir com os nossos cultos em continuidade do legado deixado pelos nossos ancestrais, uma vez que se trata de um local sagrado?”.
Marracuane Abdala, outro líder influente de Larde, secundou afirmando que “com a destruição do monte Filipe, a população não terá outro local para a realização dos seus habituais rituais”. “Por outro lado, os distritos de Larde e Moma, continuam pobres, sem estradas, água, luz, escolas condignas, casas melhoradas em resultado de reassentamento. Os donos da terra vivem à deriva, por isso, desta vez não vamos ceder a destruição do monte” declarou ainda o nosso entrevistado.
Um outro líder Comunitário de Larde, entrevistado pelo @Verdade, Amisse Sarajabo, que também discorda da pretensão da Kenmare e do Governo disse ter “conhecimento da circulação de alguns documentos através de alguns secretários, obrigando as pessoas assinar, e tal documento circula nas mesquitas, igrejas, entre outros locais”.
“Acreditamos que se trata de um abaixo-assinado a fim de enganar o Governo dando conta que a população aceita a cedência da destruição do monte, mas uma consulta comunitária deve ser de domínio público. Gostaria que houvesse um consenso transparente que não venha lesar uma das partes. Sem palavra dos líderes, nada vai se fazer no monte Filipe” frisou Sarajabo recordando que “com a Kenmare, só recebemos mentiras”.
A rainha de Larde, Suhura Amuza, é outra das vozes contrárias, “não acho justo aprovar-se a destruição do monte Filipe, desde pequena que a população vem realizando culto naquela montanha, e em nenhum momento o Governo exigiu a sua destruição, agora são pessoas que vem fora do país que estão a exigir a tal destruição, que nos digam que estão a vender a terra aos poucos” disse a anciã ao @Verdade.
Lei defende a “preservação” do monte Filipe, mas o Governo dá primazia ao sócio Kenmare
A concessão mineira da Kenmare Resources plc estende-se entre o distrito de Moma e o actual distrito de Larde, elevado a esta categoria em finais de 2013. Devido a sua proximidade o monte Filipe é local sagrado dos mais de 100 mil habitantes de ambos os distritos.
[Foto da Kenmare] Em resposta às questões enviadas por escrito pelo @Verdade, a mineradora esclareceu que “procedeu a uma ampla consulta junto das comunidades durante o processo de licenciamento ambiental e durante o processo de licenciamento de terras, em conjunto com as autoridades governamentais a vários níveis. Também teve lugar uma perfuração exploratória na área do Monte Filipe em 2001 e 2002”.
“Em nenhum momento qualquer um dos líderes ou representantes da comunidade identificaram o Monte Filipe como um local sagrado e nunca foram colocadas objeções ao programa original de perfuração da Kenmare. Os estudos de viabilidade económica e técnica do projecto foram baseados desde o início como sendo a área Monte Filipe parte integrante da mina, a qual contém elevados graus de ilmenite e zircão” explicou a mineradora.
“Quando nos preparávamos para realizar a perfuração de enchimento antes da mineração, foram levantadas certas preocupações por representantes da comunidade. As actividades previstas para a área do Monte Filipe foram imediatamente suspensas pela Kenmare, enquanto conversações foram estabelecidas com a comunidade local para se acordar na forma como as operações de extracção poderão vir a ser realizadas na área do Monte Filipe” acrescenta a multinacional irlandesa que diz estar “extremamente sensível às preocupações da comunidade e efectuou uma série de propostas em resposta às preocupações levantadas”.
Todavia o artigo 31 da Lei de Minas, de 2014, preconiza que “A Justa indemnização aos utentes dos direitos pré-existentes abrangidos pela actividade mineira referida no artigo anterior abrange, inter alia:
a) Reassentamento em habitações condignas pelo titular da concessão, em melhores condições que as anteriores;
b) Pagamento do valor das benfeitorias nos termos da Lei da Terra e outra legislação aplicável;
c) Apoio no desenvolvimento das actividades de que depende a vida e a segurança alimentar e nutricional dos abrangidos;
d) Preservação do património histórico, cultural e simbólico das famílias e das comunidades em modalidades a serem acordadas pelas partes”.
Nesta disputa o Estado moçambicano está claramente à favor da Kenmare Resources plc, quiçá porque se prepara para tornar-se sócio dela, através da Empresa Moçambicana de Exploração Mineira, que está em negociações para adquirir 5% das acções da multinacional irlandesa.
Com a pressão da Kenmare para iniciar a exploração do monte Filipe ainda este ano as instituições provinciais dos ministérios da Terra e dos Recursos Minerais, e o próprio Governador, têm se desdobrado em encontros de “sensibilização”.
O @Verdade sabe que nas últimas semanas as reuniões com os líderes comunitários tem estado a acontecer de forma restrita para que as Organizações da Sociedade Civil, que apoiam os naturais de Larde e Moma principalmente no conhecimento da legislação de minas e de terras, não participem nelas.
*Entrevistas conduzidas por Júlio Paulino
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