Blog originalmente publicado no IGTNews No. 34
Desde o final dos anos 2000, após a crise financeira global e uma alta generalizada nos preços de produtos agrícolas, as terras agricultáveis tornaram-se mais atrativas, desencadeando um movimento internacional de aquisição de terras, em especial nos países do Sul Global. Embora o interesse por terras localizadas nos países periféricos não seja novidade, desta vez a corrida por terras se deu num contexto onde há também o protagonismo do capital financeiro nas relações econômicas (também entendido como financeirização).
Uma publicação recente da qual fiz parte busca trazer as relações entre a financeirização e a corrida por terras (global land grab, em inglês) na América Latina e, em especial, no Brasil e Argentina [1]. Como se sabe, a concentração fundiária, a violência contra populações indígenas e tradicionais ou a degradação do meio ambiente são uma constante na maior parte dos países latino americanos desde a época colonial. Entretanto, acreditamos que o advento da financeirização imprime novas características nestes processos.
Nos anos 2000, ao mesmo tempo em que houve a desastrosa crise financeira, surge também um fenômeno de intensificação da demanda internacional por terras agricultáveis nos países do Sul Global. Isto envolve tanto as chamadas aquisições de terras em larga escala por estrangeiros (empresas ou pessoas físicas) quanto grilagens, privatização de florestas e terras públicas ou sob posse de comunidades. Além disso, ressalta-se a aquisição de terras por setores não tradicionais, como fundos de investimentos.
Na nossa leitura, o contexto geral da financeirização representa uma nova etapa do avanço da esfera econômica sobre outras partes da vida social, como a transformação da biodiversidade da natureza em mercadoria ou a transformação da terra em um ativo financeiro que pode ser utilizado tanto para ganhos com a venda da produção (num contexto de aumento do preço internacional dos produtos agrícolas) quanto para auferir uma renda especulativa com sua valorização.
A financeirização da terra ocorre quando a expectativa que orienta a compra de terras é puramente especulativa ou quando a propriedade de terras torna-se parte do portfólio de fundos de investimento (que não tem interesse primário em utilizá-la para produção, mas sim a trata como um ativo como outro qualquer do qual se aufere um fluxo de rendimentos).
Quando este movimento se intensifica, ocorre o que é chamado de acumulação por espoliação (accumulation by dispossession, no original) [2]. Em outras palavras, o influxo de capital (especialmente financeiro) direcionado para a aquisição de terras agrava a negação do acesso à terra ao concentrá-la ainda mais nas mãos de poucos, assim como também intensifica a destruição dos biomas originais para produção agropecuária. Por fim, isso também gera perda de autonomia de decisão sobre o território, dado que este torna-se mais e mais controlado por agentes externos (sejam eles empresas, sócios ou fundos de investimento).
Por fim, apontamos como existe uma articulação orgânica entre investidores internacionais, atores domésticos (elite financeira, corporações e o agronegócio local) e agentes do Estado operando a desregulamentação que se direciona para uma forma de “neocolonialismo liderado pelo Estado”.
Referências:
1 – Garcia-Arias, J.; Cibils, A.; Costantino, A.; Fernandes, V.B.; Fernández-Huerga, E. When Land Meets Finance in Latin America: Some Intersections between Financialization and Land Grabbing in Argentina and Brazil. Sustainability 2021, 13, 8084. https://doi.org/10.3390/su13148084
2 – Harvey, D. The New Imperialism; Oxford University Press: New York, NY, USA, 2003.