Fonte: CIRCUITOMATOGROSSO
Autora: Catia Alves
Publicado 18/12/2016
A comunidade indígena já perdeu oito integrantes vítimas de acidentes na rodovia que corta as terras localizadas na região de Sangradouro
As lideranças indígenas da região de Sangradouro, entre Primavera do Leste e General Carneiro, a cerca de 300 km de Cuiabá (MT), reivindicam maior segurança ao longo da BR-070 e exigem a instalação de um pedágio entre Primavera e o município de Barra do Garças.
No mês de novembro a comunidade perdeu o Cacique Marino Tsimhone, 78 anos, e o estudante Benedito Tserenhõrowe, 18 anos, vítimas de atropelamento. Ao todo, oito índios já morreram atropelados ao longo da rodovia, segundo os indígenas, pela imprudência dos motoristas que não respeitam as sinalizações.
Em um discurso embargado pela emoção e dor, o Xavante e professor Oswaldo Buruwé comunicou sobre a decisão tomada pelo povo indígena: “Não aceitamos outra proposta do homem branco. Queremos pedágio dentro da aldeia. De Primavera para Barra do Garças o dinheiro irá para o Governo; de Barra do Garças para Primavera o dinheiro irá para a comunidade. Nós somos discriminados, marginalizados. Meu sobrinho morreu de graça. Eles tiraram os sonhos dele e da nossa família”.
A declaração foi feita durante reunião realizada dia 05 de dezembro na aldeia Sangradouro e na presença do superintendente do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit), Orlando Fanaia; do superintendente da Polícia Rodoviária Federal (PRF), Arthur Nogueira; do representante do Ministério Público, Rafael Nogueira e do prefeito de Primavera do Leste, Érico Piana, além do senador Wellington Fagundes e do deputado federal Valtenir Pereira.
As vidas perdidas, segundo Buruwé, não voltam e que por isso a decisão entre os índios é unânime quanto à instalação do pedágio. E o pedido foi preciso: a construção deve ser feita em curto prazo. “Não daqui a 120 dias, dois anos, queremos que aconteça alguma coisa para a nossa sobrevivência. Já foram oito mortes. Matar índio virou o que? Virou como matar animais. A vida não tem preço, nem ouro se quer compra”, pontuou o Xavante.
Orlando Fanaia, superintendente do DNIT em Mato Grosso, diz que são 19 acessos usados pelos índios para transitar entre as aldeias e a BR-070. Alguns deles estão em curva, o que representa perigo para os usuários. “Vamos priorizar todos os acessos, que devem ser pavimentados na faixa de domínio da BR-070, que é de 35 metros”, disse ele. Entre os 19 acessos, três devem começar a ser pavimentados já no começo de 2017.
Além da pavimentação desses acessos, os indígenas querem a construção de pontos de ônibus, melhor sinalização e a construção de ciclovia ao longo da BR-070 até a área urbana de Primavera do Leste. “Esta reunião não é pra contar picuinhas, pra inventar, pra nos enganar convidamos para que os senhores estejam aqui para falar: podemos fazer, buscar um meio para dar as melhores condições de vida não da nossa, mas da futura geração. É pra construir e instalar o pedágio”, exigiu o professor às autoridades.
Morte do Cacique e do jovem Benedito
Um dia após os atropelamentos, o vereador e professor Bartolomeu Patirá explicou ao Circuito Mato Grosso que o jovem Benedito Tserenhõrowe estava voltando para a escola, em uma motocicleta, quando uma caminhonete bateu contra o veículo. O motorista fugiu do local sem prestar socorro e foi perseguido pelos índios.
O professor Oswaldo Buruwé contou que Benedito não tinha problemas com álcool nem drogas e que isso foi atestado no certificado de óbito. “Ele tinha acabado de deixar o pai na aldeia e estava indo estudar, aí passaram por cima dele. Não sobrou nada da motocicleta; ele quebrou a clavícula e não resistiu. Os motoristas querem que a gente morra”.
Já o Cacique foi atropelado propositalmente durante um protesto realizado pelos indígenas contra a morte do adolescente Benedito. Bartolomeu contou que um caminhão, modelo Scania, foi em direção ao cacique em alta velocidade e o atropelou. O cacique não resistiu aos ferimentos e faleceu.
Pela lei do povo Xavante é "olho por olho, dente por dente". “Para os Xavante é: se o cara morreu, tem que matar. Eu sou professor, morei na cidade e entendo como é a burocracia do homem branco e que pela nossa lei isso não pode acontecer dentro das nossas terras indígenas. Nós somos seres humanos”.
Ao final da reunião, ficou acordado entre os índios e as autoridades que o assunto será levado ao conhecimento dos ministérios da Justiça e de Transportes, assim como a Funai e Ibama.
Indígena morre em acidente na BR-158
Na tarde desta segunda-feira (12), um indígena de 35 anos (etnia não revelada), morreu ao se envolver em um acidente na BR-158, entre os municípios de Nova Xavantina e Água Boa. A vítima estava em uma motocicleta quando foi atingida por outro veículo e acabou sofrendo várias escoriações pelo corpo tendo uma perna decepada com a força do impacto. O outro condutor fugiu do local sem prestar socorro.
O Corpo de Bombeiros foi acionado e esteve no local para prestar os primeiros socorros, porém o indígena não resistiu aos ferimentos. Ao Circuito Mato Grosso, a PRF informou que até o momento não foi encontrado o outro condutor. A perícia Oficial de Identificação Técnica esteve no local e a Polícia Civil deu inicio às investigações.
NA Br-158, encontra-se uma reserva indígena Marãiwatsé, dos Xavante, que não aceitam a instalação de um pedágio em suas terras. Recentemente uma reportagem divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmava que para liberar o asfalto no trecho da BR-158 que corta a reserva indígena Marãiwatsédé, o governo de Mato Grosso decidiu propor o pagamento de uma taxa aos índios, a partir da instalação de um pedágio na rodovia.
Segundo a matéria, a concessionária assumiria a gestão da estrada, com o compromisso de repassar aos indígenas uma parte do valor arrecadado com o pedágio, que iria para um fundo administrado pelos próprios índios. Porém, em uma nota enviada pela comunidade através do Ministério Público Federal (MPE) os indígenas repudiavam as declarações de que os índios teriam autorizado a implantação do pedágio na rodovia, dentro da reserva.
Pela Lei Federal 6.001, de 1.973, não é permitido colocar pedágio dentro de reserva indígena. Tampouco há legislação que regule a criação de um fundo atrelado à cobrança de taxas para que veículos circulem pelas terras indígenas.
A dor de uma comunidade inteira
A morte é a única certeza do ser humano, em algum momento ela chega para todos. Mas sentir a perda é algo imensurável e não existem palavras que expressem o sentimento. Uma comunidade inteira sofreu a dor da perda de seus entes queridos, o povo Xavante chorou a morte de ambos os mortos por atropelamento.
Emocionado, o Cacique maior, Alexandre Pseerppse, relatou ao Circuito Mato Grosso, um dia após as mortes a revolta da aldeia. “Nós não somos animais para as pessoas passarem por cima da gente. Não respeitam o índio. Passam por cima do índio e não prestam socorro”, desabafou.
A audiência solicitada pelos indígenas demonstrou às autoridades o sofrimento de uma comunidade inteira. “O branco sofre até o sétimo dia depois bebe cerveja, fica louco. Nós nascemos chorando e morremos chorando. Está é a nossa cultura e por isso mesmo a nossa decisão sobre o pedágio”, justificou o Xavante e Professor Oswaldo Buruwé que foi o porta voz dos povos indígenas.
Em um momento do discurso, Buruwé falou da relação índio e homem branco. “Muitos brancos falam que os índios são ruins. Nem todos. Nem todos os brancos são ruins, alguns são, porque houve esse assassinato do meu sobrinho que nunca saqueou caminhões. Por isso que eu falo: nem todo Xavante é rum, tem Xavante que são bons. Temos que usar as expressões com prudência”.
O dinheiro arrecadado com o pedágio seria para a sobrevivência das comunidades, segundo Buruwé. “Temos que ter o ganho de alguma coisa para sobreviver. Precisamos pagar hospitais, cirurgias. Quem faz cirurgia são os senhores, pois os senhores têm melhores condições de vida para poder cuidar da família. Como já estamos perdendo tudo, buscamos um meio para nossa sobrevivência e a sobrevivência futura”.
Polêmica entre Marãiwatsédé e Vice-governador
Uma reportagem divulgada pelo jornal O Estado de S. Paulo afirmava que para liberar o asfalto no trecho da BR-158 que corta a reserva indígena Marãiwatsédé, onde vivem cerca de mil índios Xavante, o governo de Mato Grosso decidiu propor o pagamento de uma taxa aos índios, a partir da instalação de um pedágio na rodovia. Porém, diferente dos Xavante da BR-070, os Marãiwatsédé não querem pedágio em suas terras.
Segundo a matéria, a concessionária assumiria a gestão da estrada, com o compromisso de repassar aos indígenas uma parte do valor arrecadado com o pedágio, que iria para um fundo administrado pelos próprios índios. A sugestão foi apresentada em uma reunião realizada com a presença de representantes do governo do Estado, lideranças indígenas, membros do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e da Fundação Nacional do Índio (Funai).
O defensor da proposta é o vice-governador e atual secretário de Meio Ambiente de Mato Grosso, Carlos Fávaro, conhecido na região pelos anos em que ficou à frente da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Estado (Aprosoja). Segundo ele, os indígenas apoiaram a proposta.
Porém, em uma nota enviada pela comunidade através do Ministério Público Federal (MPE) os indígenas repudiavam as declarações de Fávaro, de que os índios teriam autorizado aimplantação do pedágio na rodovia 158.
Pela Lei Federal 6.001, de 1.973, não é permitido colocar pedágio dentro de reserva indígena. Tampouco há legislação que regule a criação de um fundo atrelado à cobrança de taxas para que veículos circulem pelas terras indígenas.
Em um trecho da nota, os indígenas confirmam que estiveram reunidos com Fávaro, mas que em nenhum “momento da reunião cogitou-se a instalação de pedágio no interior da Terra Indígena e que não concordam com a proposição insinuada pelo Vice-Governador”. As informações divulgadas pela imprensa teriam gerado indignação da comunidade.
“As lideranças indígenas informam que a comunidade tem autonomia para definir suas prioridades de desenvolvimento, não admitindo a negociação de seus direitos (art. 7º da Convenção 169, da OIT)”. Segundo eles, a comunidade iria se reunir para discutir estratégias para agilizar o início das obras no contorno leste da rodovia, de modo a suspender o trânsito de veículos no interior da Terra Indígena.
E enviaram um recado ao Governo do Estado de Mato Grosso. “Esclarecemos que a comunidade está atenta e não admitirá a manipulação de informações ou da própria comunidade indígena”.
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