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News & Events A guerra e seus efeitos no sistema monetário global
A guerra e seus efeitos no sistema monetário global
A guerra e seus efeitos no sistema monetário global
Circulação Metrópoles
Gabriel Pensani Siqueira
Circulação Metrópoles

A guerra da Rússia contra a Ucrânia já completa um mês sem sinais de claros de desfecho [1]. Apesar das baixas civis e militares em ambos os lados, a escalada do conflito tem sido refreada pela intervenção não direta por parte da OTAN, uma vez que isso significaria um ato de guerra do Ocidente contra a Rússia, o que, por sua vez, poderia desencadear de fato uma Terceira Guerra Mundial com efeitos termonucleares talvez sem precedentes na história da humanidade. Até o momento, a principal arma utilizada tem sido as sanções econômicas que o Ocidente tem aplicado à Rússia para limitar os recursos disponíveis à guerra, e a exclusão deles do principal sistema financeiro internacional [2]. Talvez mais impactante do que o conflito militar e independente desse desfecho de longo prazo (mais ou menos pacífico), a guerra pode ter provocado mudanças irreversíveis no sistema financeiro global que foram desencadeados por essas sanções dos Estados Unidos da América (EUA) e dos países membros da União Europeia (EU) contra a Rússia.


A guerra financeira que está sendo travada contra a economia russa pode sim ter efeitos drásticos e de longo prazo, como já estão sendo percebidos pelos choques nos preços de commodities, especialmente do petróleo e o gás natural. No entanto, há quem argumente que estamos passando pelas dores de um parto do que será um novo sistema monetário global [3], uma vez que as sanções impostas pelo Ocidente forçaram mudanças econômicas estruturais na Rússia para tentar conter a escalada da inflação e a desvalorização do rublo, renegociando ativos em dólares americanos para outras moedas, provocando um deslocamento do eixo econômico centrado nos EUA para um sistema dividido entre Ocidente e Oriente. Nesse contexto, também é necessário lembrar que o principal lastro do eixo oriental seria a economia chinesa, que permanece em crescimento por mais de trinta anos, enquanto os EUA enfrentam seu pior período inflacionário dos últimos 40 anos [4].


Naturalmente, a maior parte dos ativos russos se encontravam em bancos ocidentais, uma vez que o rublo era muito menos estável do que o euro ou o dólar, e foi justamente por essa característica do antigo sistema monetário global que os impactos econômicos talvez sejam mais significativos do que o conflito militar em si [5]. O próximo passo do xadrez geopolítico foi dado, quando o governo russo declarou que não mais receberá pagamentos pelo seu gás natural e petróleo comercializados com a Europa em euros, apenas em rublos [6], o que com certeza vai contribuir ainda mais para esse deslocamento do eixo monetário global, acentuando as barreiras comerciais entre Ocidente e Oriente.


Se o dólar americano foi beneficiado em detrimento do padrão-ouro como principal lastro do sistema monetário global, a instabilidade dos preços provocados pela guerra, inflação e o fim da hegemonia ocidental podem provocar novas mudanças estruturais, pois, como bem argumentou o professor José Luís Fiori, “a paz não é sinônimo de ordem, e a existência de uma ordem internacional não assegura a paz. Basta ver o que aconteceu nos últimos 30 anos, com a ordem liberal-cosmopolita”. Por isso, que o mundo pode estar prestes a experimentar um novo sistema monetário, cujo estopim foi a guerra contra a Ucrânia e consolidação de um eixo Oriental lastreado nas potencias da região, especialmente a China e a Rússia.


O desfecho da guerra entre Rússia e Ucrânia pode ser ainda muito incerto, no entanto, o que esse conflito pode ter ocasionado para o sistema econômico internacional pode ter sido muito mais disruptivo do que as questões geopolíticas por territórios de influência que estão em disputa. Ainda é muito cedo para dizer ou estimar o tamanho desse impacto de escala global, mas é certo imaginar que podemos estar vivenciando mudanças estruturais históricas que podem reverter o padrão de ordem internacional vigente até o momento, e essa guerra financeira que está sendo travada é apenas o começo dessa transformação.


Referências


1 - LADEIRA, S; GUTIERREZ, F. Guerra na Ucrânia completa um mês: veja o estado atual da invasão russa e cenários para o futuro. G1 Globo, 24 de março de 2022. Disponível em: https://g1.globo.com/mundo/ucrania- russia/noticia/2022/03/24/guerra-na-ucrania-completa-um-mes-veja-o-estado-atual-da-invasao-russa-e- cenarios-para-o-futuro.ghtml. Acesso em 28 de março de 2022

2 - HOLLAND, S; et al. EUA e aliados miram "fortaleza russa" com sanções, incluindo exclusão do Swift. CNN Brasil, 26 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://www.cnnbrasil.com.br/internacional/eua-e-aliados-miram- fortaleza-russa-com-sancoes-incluindo-exclusao-do-swift/. Acesso em 28 de março de 2022.

3 - ESTEVES, A. 'Não dá pra ficar em cima do muro': Brasil deverá repensa sua posição frente ao declínio do dólar. Sputinik, 23 de março de 2022. Disponível em: https://br.sputniknews.com/20220323/nao-da-pra-ficar-em- cima-do-muro-brasil-devera-repensar-sua-posicao-frente-ao-declinio-do-dolar-21945136.html. Acesso em 28 de março de 2022.

4 - SMIALEK, J; SINGH, K. Inflação nos EUA chega a 7,5%, maior alta em 40%. Folha de S. Paulo, 10 de fevereiro de 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/mercado/2022/02/inflacao-nos-eua-chega-a-75- em-ritmo-mais-rapido-de-altas-em-40-anos.shtml. Acesso em 28 de março de 2022.


Blog originalmente publicado no  IGTNews No. 47