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Liberar el poder de los datos abiertos para la acción climática
Desvendando o poder dos dados abertos para a ação climática
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Rick de Satgé
Laura Meggiolaro
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Introdução

Imagine um mundo em que todas as comunidades tenham os dados, as informações e o conhecimento necessários para tomar decisões informadas sobre a terra que chamam de lar. Um mundo em que o poder da informação é aproveitado para responsabilizar os líderes pelo gerenciamento sustentável de recursos naturais essenciais. Esse é o potencial transformador dos dados abertos e acessíveis sobre a terra na luta contra a mudança climática, que é o desafio definitivo de nosso tempo, ameaçando a vida e a subsistência de comunidades em todo o mundo.

O aumento das temperaturas, os eventos climáticos extremos e outros impactos climáticos estão criando um “código vermelho para a humanidade”, devastando paisagens, exacerbando as desigualdades e prejudicando o progresso rumo ao desenvolvimento sustentável. São necessárias ações urgentes para mitigar as emissões de gases de efeito estufa, adaptar-se às mudanças inevitáveis e criar resiliência, principalmente para os grupos mais vulnerabilizados.

A terra é tanto um fator determinante quanto uma solução para as mudanças climáticas. As práticas insustentáveis de uso da terra, incluindo o extrativismo desenfreado, o desmatamento e a degradação do solo, contribuem significativamente para as emissões globais de carbono. Atualmente, nossos sistemas alimentares são responsáveis por cerca de um terço das emissões globais de gases de efeito estufa, sendo que dois terços desse total resultam da agricultura, da silvicultura e de outros usos da terra. Práticas mais sustentáveis de gerenciamento da terra, como a agrossilvicultura e a restauração de ecossistemas, oferecem um imenso potencial de adaptação e captura de carbono.

No entanto, a realização desse potencial exige uma transformação na governança fundiária, sustentada por dados fundiários abertos, acessíveis e inclusivos. Uma sociedade civil forte e vibrante pode aproveitar os dados fundiários abertos - dados que estão disponíveis gratuitamente, podem ser usados e redistribuídos por qualquer pessoa - para proteger os direitos fundiários, permitir a tomada de decisões informadas e responsabilizar os(as) atores(as) poderosos(as). 

Ao mesmo tempo, precisamos estar atentos(as) às maneiras pelas quais os direitos e os dados sobre a terra foram conceituados em grande parte da literatura internacional. Esses conceitos são frequentemente sobrepostos a preconceitos, experiências e suposições do Norte, que muitas vezes não são suficientemente matizados ou refletem o contexto que está moldando o Sul global.

Apesar dessas limitações, a conjuntura atual oferece uma oportunidade crítica de mobilização em torno de uma visão compartilhada de dados abertos sobre a terra para a ação climática. O Land Portal trabalha com guardiões(ãs) de dados em diferentes contextos - instituições multilaterais, governos, sociedade civil, ILPCs e o setor privado. Defendemos estruturas legais que garantam os direitos humanos, o acesso a informações e sistemas de governança de dados que sejam justos e equitativos.

 

A necessidade de dados fundiários abertos, inclusivos e atualizados 

Em muitos países, a governança fundiária é caracterizada pela opacidade, desigualdade e insegurança. Os registros de terras geralmente são incompletos, desatualizados ou fragmentados, e grande parte dos dados está presa em silos ou atrás de acesso pago. Essa falta de transparência permite a apropriação de terras, a corrupção e a marginalização de grupos vulneráveis, especialmente povos indígenas, mulheres e pessoas que vivem em pobreza. Saber quem é o(a) proprietário(a) da terra e sob qual sistema de posse é essencial, pois a terra é um dos principais alvos de corrupção e lavagem de dinheiro. Quando os registros de terras se tornam disponíveis ao público, com salvaguardas e proteções adequadas, isso cria possibilidades para que as comunidades e as organizações da sociedade civil monitorem as transações de terras, exponham práticas corruptas e exijam responsabilidade. Veja o exemplo do Camboja, onde a Iniciativa de Desenvolvimento Aberto criou um banco de dados público de concessões de terras, possibilitando que os(as) cidadãos(ãs) acompanhem os negócios que estão remodelando suas paisagens e defendam seus direitos.

 

Disponibilizar dados abertamente, especialmente em campos importantes como a propriedade da terra, e garantir que os conjuntos de dados possam ser vinculados, é uma ferramenta poderosa para expor redes de corrupção, mas ainda há muito trabalho a ser feito para concretizar esse potencial globalmente.

Os impactos da governança fundiária disfuncional são exacerbados pelas mudanças climáticas. À medida que os recursos se tornam mais escassos e a concorrência se intensifica, as pessoas com direitos à terra inseguros correm um risco maior de desapropriação e deslocamento. Além disso, a falta de dados abrangentes e atualizados sobre a terra dificulta os esforços de planejamento e resposta aos riscos climáticos. 

 

Os(as) formuladores(as) de políticas e profissionais precisam de informações detalhadas sobre direitos à terra e aos recursos, uso da terra, cobertura da terra, qualidade do solo e outros atributos para identificar áreas vulneráveis, priorizar intervenções e monitorar o progresso. Porém, em muitos contextos, esses dados não estão disponíveis ou são inadequados.

Portanto, dados abertos, inclusivos e atualizados sobre a terra são um facilitador essencial para a ação climática. Entretanto, para que os dados sejam realmente abertos, eles devem ser legal e tecnicamente abertos. Os dados legalmente abertos são licenciados de forma que permitam que qualquer pessoa os use, modifique e compartilhe livremente para qualquer finalidade. Normalmente, isso é obtido por meio da aplicação de uma licença aberta, como a Creative Commons. Tecnicamente, os dados abertos são publicados em formatos e estruturas que permitem o processamento e uma integração fácil e automatizada com outros conjuntos de dados. Isso requer o uso de formatos abertos e legíveis por máquina e a adesão a padrões de dados abertos.

A importância da abertura técnica e da interoperabilidade não pode ser exagerada. A interoperabilidade permite que diferentes sistemas de dados troquem e usem as informações sem problemas. Ela permite a integração e a análise de dados de várias fontes, o que é fundamental para a compreensão de fenômenos complexos, como as mudanças climáticas e seus impactos sobre a terra e as pessoas. Os padrões abertos para o intercâmbio de dados, como os desenvolvidos pelo Consórcio Aberto Geoespacial (OGC - sigla em inglês), são os principais viabilizadores da interoperabilidade.

No entanto, alcançar a abertura legal e técnica exige mais do que apenas publicar dados on-line. Os responsáveis pela custódia dos dados, principalmente os órgãos governamentais, precisam ter planos de gerenciamento de dados sólidos. Esses planos devem abordar os aspectos técnicos da publicação de dados, como formatos de dados, padrões de metadados e licenciamento. Eles também devem considerar as estruturas legais e institucionais que regem o compartilhamento e o uso de dados, incluindo questões de privacidade e segurança. A capacitação e os recursos são necessários para apoiar os guardiões de dados no desenvolvimento e na implementação desses planos.

Há uma série de princípios que informam as estratégias de dados abertos sobre a terra. Entre eles estão os Princípios CARE para Governança de Dados Indígenas e os Princípios FAIR para gerenciamento e administração de dados científicos. 

Os Princípios CARE afirmam que os povos indígenas têm o direito de controlar a coleta, a propriedade e a aplicação de seus próprios dados. CARE significa Benefício coletivo, Autoridade de controle, Responsabilidade e Ética. Uma variação desses princípios foi desenvolvida pelo Centro de Governança de Informações das Primeiras Nações do Canadá (OCAP - sigla em inglês). Os princípios do OCAP enfatizam que as comunidades indígenas devem controlar os processos de coleta de dados e que elas possuem e controlam como essas informações devem ser usadas. 

Os Princípios FAIR, por outro lado, enfatizam que os dados devem ser Localizáveis, Acessíveis, Interoperáveis e Reutilizáveis. À primeira vista, pode parecer haver tensões entre a ênfase dos Princípios CARE e OCAP no controle indígena sobre os dados e a ênfase dos Princípios FAIR no acesso aberto. No entanto, esses princípios podem ser complementares se aplicados de forma ponderada. Por exemplo, as comunidades indígenas poderiam optar por tornar determinados subconjuntos de dados de suas terras acessíveis abertamente (FAIR), mantendo o controle sobre o conhecimento cultural sensível (CARE). A chave é garantir que os povos indígenas tenham a autoridade para tomar essas decisões por si mesmos.

De forma mais ampla, os Princípios CARE nos lembram que as iniciativas de dados abertos devem priorizar os direitos, os interesses e o bem-estar das comunidades que estão representadas nos dados. Isso significa ir além de apenas tornar os dados acessíveis, envolvendo ativamente as comunidades na governança dos dados e garantindo que elas se beneficiem do uso dos dados. Os Princípios FAIR, por sua vez, fornecem um roteiro para tornar os dados mais utilizáveis e interoperáveis, o que é essencial para maximizar seu valor para a ação climática. 

Ao tornar os dados mais transparentes, interoperáveis e acessíveis, respeitando a soberania dos dados indígenas, os dados abertos podem capacitar as comunidades a proteger seus direitos e recursos. Eles facilitam a tomada de decisões mais informadas e participativas, permitindo que diversas partes interessadas colaborem em soluções sustentáveis de gerenciamento de terras. E fornecem a base de evidências para que a sociedade civil responsabilize os governos e as empresas por seus compromissos climáticos.

 

Evidências que apoiam a governança de terras com base em dados abertos para a mitigação do clima

Um conjunto crescente de evidências demonstra o potencial dos dados abertos sobre terras para apoiar a mitigação das mudanças climáticas. Por exemplo, estudos recentes estimam que a garantia dos direitos indígenas e comunitários sobre a terra em apenas 24 países em desenvolvimento poderia evitar o desmatamento e as emissões associadas equivalentes à desativação de centenas de usinas elétricas movidas a carvão. 

Os dados abertos também podem ajudar a identificar e priorizar áreas para restauração e conservação. O Atlas de Oportunidades de Restauração, desenvolvido pelo Instituto Mundial de Recursos e parceiros(as), usa dados abertos sobre a cobertura da terra, o tipo de solo e outros fatores para mapear possíveis locais de restauração em todo o mundo. A disponibilidade dessas informações pode orientar governos, sociedade civil e outras partes interessadas na implementação de soluções baseadas na natureza para as mudanças climáticas.

Além disso, os dados abertos permitem um planejamento mais eficaz e equitativo do uso da terra. Ao integrar dados sobre direitos à terra, uso da terra e valor da terra, os formuladores de políticas podem tomar decisões informadas sobre como equilibrar as demandas concorrentes por terra e, ao mesmo tempo, proteger os direitos e os meios de subsistência das comunidades locais. Por exemplo, o Modelo de Domínio de Posse Social, desenvolvido pela Rede Global de Ferramentas Fundiárias, fornece um padrão para capturar e representar arranjos complexos de posse da terra, incluindo direitos costumeiros e informais.

 

Riscos e desafios potenciais dos dados abertos

Embora os possíveis benefícios de dados fundiários abertos sejam significativos, há também riscos e desafios que devem ser cuidadosamente enfrentados. Uma das principais preocupações é o potencial de captura pela elite e o uso indevido de dados. Se os dados fundiários não forem governados e gerenciados de forma responsável, eles poderão ser usados para reforçar os desequilíbrios de poder existentes e permitir a apropriação de terras por atores(as) poderosos(as). 

Os dados abertos sobre a terra podem ajudar a evitar a corrupção em países com instituições fortes e baixa desigualdade. Entretanto, em contextos com direitos fundiários enfraquecidos e desequilíbrios significativos de poder, os mesmos dados podem permitir que atores poderosos desapropriem comunidades vulneráveis. A pesquisa mostrou como as negociações de terras em larga escala podem ser facilitadas pelo acesso a dados de registro de terras, a despeito de detentores de direitos consuetudinários não documentados.

Os riscos e benefícios dos dados abertos devem ser cuidadosamente ponderados com base nas proteções legais, na capacidade institucional e na dinâmica de poder de cada país. A governança eficaz de dados requer não apenas a disponibilidade de dados, mas também salvaguardas para garantir o uso responsável dos dados e proteger os direitos de dados de grupos vulneráveis. É nesse ponto que os Princípios CARE podem fornecer uma orientação crucial, centralizando os direitos e os interesses de Povos Indígenas e comunidades locais na governança de dados.

Outro risco é a possibilidade de violações de privacidade e o uso indevido de informações confidenciais. Os dados de terras geralmente contêm detalhes pessoais e confidenciais que, se não forem devidamente protegidos, podem ser usados para fins fraudulentos ou maliciosos. Os processos de registro de terras podem ser capturados pelas elites, resultando na exclusão de detentores(as) de direitos consuetudinários, especialmente mulheres, pastores e comunidades indígenas, cujas reivindicações de terras podem não se encaixar perfeitamente em estruturas legais formais. Na Índia, um programa de digitalização de registros de terras foi invadido por agentes poderosos que exploraram a transição para tomar terras de pequenos(as) agricultores(as).

Além disso, as iniciativas de dados abertos podem, inadvertidamente, agravar as desigualdades existentes se não forem projetadas e implementadas de forma inclusiva e equitativa. Se os dados estiverem disponíveis apenas em determinados idiomas ou formatos, ou se exigirem habilidades ou equipamentos especializados para acesso e uso, isso poderá excluir grupos marginalizados da participação e dos benefícios. Os Princípios FAIR podem ajudar a mitigar alguns desses riscos, tornando os dados mais localizáveis, acessíveis e utilizáveis por uma gama maior de partes interessadas. Mas os dados FAIR não são suficientes por si só - eles devem ser combinados com um suporte sistemático para defender os direitos dos ILPCs.  

A abordagem desses riscos exige mais do que apenas correções técnicas; exige um acerto de contas fundamental com os desequilíbrios de poder que permeiam os sistemas de governança fundiária em todo o mundo. Os Princípios CARE e OCAP oferecem um ponto de partida para centralizar a equidade e a inclusão em iniciativas de dados abertos, mas devem ser traduzidos em práticas e salvaguardas concretas, desenvolvidas em estreita parceria com as comunidades afetadas.

 

Principais tendências e situação atual dos dados fundiários abertos

Há um impulso crescente em torno dos dados fundiários abertos, especialmente no contexto do Sul global. Os governos, as organizações da sociedade civil e outras partes interessadas estão reconhecendo cada vez mais a importância dos dados abertos para a governança fundiária e o desenvolvimento sustentável, percebendo que os benefícios superam os riscos.

Em nível global, os dados abertos sobre a terra foram identificados como uma prioridade fundamental em várias estruturas e iniciativas internacionais, como as Diretrizes Voluntárias sobre a Governança Responsável da Posse e o Guia Aberto para a Governança da Terra. Esses documentos fornecem orientações e princípios para tornar os dados fundiários abertos, acessíveis e utilizáveis por todas e todos, dentro de uma estrutura de acesso à informação como um direito humano. Por exemplo, a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos desenvolveu uma Lei Modelo sobre Acesso à Informação para a África.

No entanto, o recente relatório Broken Links destaca as deficiências sistêmicas em todo o mundo com relação à coleta de dados, publicação de dados, capacidade de uso e interoperabilidade dos dados. Ele observa que a terra é o foco das principais decisões políticas e um meio de ocultar o enriquecimento ilícito e, portanto, uma área de foco importante. 

Além disso, muitos países ainda não dispõem de dados completos e atualizados sobre a terra, principalmente no que se refere a acordos de posse consuetudinária e informal, independentemente de esses dados serem abertos ou fechados. As restrições de capacidade e recursos continuam prejudicando o desenvolvimento e a sustentabilidade dos sistemas de dados fundiários abertos.

Embora alguns países tenham progredido na digitalização dos registros de terras e os tenham tornado abertos e transparentes, ainda há grandes desafios para manter os registros de terras atualizados. Como resultado, a qualidade e a precisão dos dados se deterioram rapidamente. Isso destaca a importância do investimento contínuo em sistemas de governança de dados fundiários e da garantia de que as transações fundiárias sejam abertas sempre que possível. 

Atualmente, o mapeamento e o registro de arranjos complexos de posse de terra, como direitos consuetudinários ou informais em escala, e a manutenção desses registros atualizados geralmente estão além da capacidade das instituições locais de governança fundiária. 

 

Interseções entre dados de terras e planejamento de ações climáticas

A interseção entre dados sobre a terra e o clima é cada vez mais reconhecida como uma fronteira crítica para a ação climática. As mudanças no uso e na cobertura da terra são fatores determinantes e consequências da mudança climática, o que torna a análise integrada dos dados sobre a terra e o clima crucial para a tomada de decisões informadas. O Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC - sigla em inglês) continua enfatizando que a posse transparente da terra e o planejamento integrado do uso da terra são essenciais para ações eficazes de adaptação e mitigação. Ele observa que as políticas fundiárias (incluindo o reconhecimento da posse consuetudinária, o mapeamento da comunidade, a redistribuição, a descentralização, a cogestão e a regulamentação dos mercados de aluguel) podem proporcionar segurança e flexibilidade para responder às mudanças climáticas.

Os dados fundiários abertos têm um imenso potencial para informar e acelerar o planejamento de ações climáticas em várias escalas. Ao fornecer informações oportunas, precisas e detalhadas sobre o uso da terra, a cobertura da terra, os direitos à terra e outras variáveis importantes, os dados abertos podem ajudar os(as) responsáveis pela tomada de decisões:

  • Avaliar os riscos e as vulnerabilidades climáticas 

  • Identificar e priorizar oportunidades de mitigação climática

  • Planejar e monitorar medidas de adaptação climática  

  • Envolver e capacitar as comunidades na ação climática

  • Monitorar e relatar o progresso da ação climática.

Quando os dados são abertos, eles podem ser analisados e correlacionados entre conjuntos de dados, beneficiando significativamente a pesquisa. A integração dos dados de cobertura da terra com as avaliações de estoque de carbono pode permitir um monitoramento e um relatório mais preciso das emissões de gases de efeito estufa provenientes da mudança no uso da terra.

Além disso, a crescente disponibilidade de dados de sensoriamento remoto e geoespaciais está criando novas oportunidades para a integração de dados sobre o clima e a terra. Por exemplo, o Centro de Dados Regionais da África fornece dados de satélite prontos para análise para cinco países africanos, permitindo que os(as) usuários(as) acompanhem as mudanças na cobertura da terra, nos recursos hídricos e em outros indicadores ambientais ao longo do tempo. Ao combinar esses dados com avaliações de estoque de carbono, que estimam a quantidade de carbono armazenada em vários tipos de cobertura da terra, torna-se possível quantificar com mais precisão as emissões de gases de efeito estufa resultantes das mudanças no uso da terra.

No entanto, para que todo o potencial da integração de dados sobre a terra e o clima seja alcançado, é necessário superar vários desafios. Entre eles estão as lacunas e incertezas dos dados, principalmente nos países em desenvolvimento; a necessidade de formatos e protocolos de dados mais padronizados e interoperáveis; e as restrições de capacidade enfrentadas por muitos profissionais de governança de terras e adaptação climática. Os Princípios FAIR oferecem uma estrutura para enfrentar alguns desses desafios, tornando os dados mais localizáveis, acessíveis, interoperáveis e reutilizáveis.

Embora os dados abertos sobre a terra possam contribuir ativamente para o planejamento da ação climática, a realização desse potencial exigirá um investimento sustentado em infraestruturas de dados abertos, capacitação e parcerias, bem como um compromisso com os princípios de governança de dados que priorizam a equidade, a inclusão e a responsabilidade.  Os Princípios CARE oferecem uma orientação crucial nesse sentido, afirmando os direitos dos povos indígenas e das comunidades locais de governar seus próprios dados para benefício coletivo.

 

A relevância do trabalho do Land Portal sobre dados abertos para os IPLCs e a ação climática

O trabalho do Land Portal sobre a disponibilização de dados e informações sobre a terra é altamente relevante para os povos indígenas e as comunidades locais (IPLC - sigla em inglês) e pode se tornar um motor para a ação climática. O Land Portal concebeu o Indicador do Estado das Informações sobre Terras (SOLIndex - sigla em inglês) como uma referência global e uma ferramenta de diagnóstico para rastrear a integridade das informações sobre terras e avaliar sua disponibilidade. O SOLIndex complementa as referências existentes sobre corrupção de terras (TI), dados comunitários sobre governança de terras (ILC), aquisições de terras em larga escala (Land Matrix) e segurança de posse (Prindex).

O SOLIndex também foi adotado pela LANDex, que irá incorporar os dados juntamente com seus indicadores de dados de terra baseados na comunidade. Por fim, o Observatório Global da Terra (GLO - sigla em inglês) da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO - sigla em inglês) também adotou o SOLIndex como um de seus principais indicadores.

 

Os Princípios CARE fornecem uma estrutura para o envolvimento com ILPCs, centralizando os direitos indígenas e a autodeterminação na governança de dados.

Com relação à abertura e ao controle de dados, ainda há duas questões distintas em jogo que não devem ser confundidas:

 

1. IPLCs acessando dados abertos sobre terras de fontes externas para proteger melhor seus direitos fundiários. 

Para isso, seria necessário desenvolver a capacidade local de acessar, usar e interpretar os conjuntos de dados abertos existentes. 

  • Os dados abertos sobre a terra podem ajudar os IPLCs a documentar, mapear e fazer valer seus direitos consuetudinários à terra e suas reivindicações de posse. Ao acessar fontes de dados abertos, como no exemplo cambojano citado anteriormente, os IPLCs podem proteger melhor seus territórios contra invasões, investimentos falsos em compensação de carbono, grilagem de terras e outras ameaças externas, que geralmente são exacerbadas pelas mudanças climáticas. 
  • Ao acessar e usar dados sobre a terra, os IPLCs podem informar e influenciar as decisões sobre o uso, a conservação e o desenvolvimento da terra, garantindo que seus conhecimentos, prioridades e práticas sejam levados em consideração.
  • Os dados abertos sobre a terra também podem ajudar os IPLCs a acessar o financiamento climático e o apoio a ações de adaptação e mitigação em seus territórios. Embora seja essencial que os recursos cheguem às pessoas mais afetadas pela mudança climática e que estejam desempenhando funções de administração de importância global, a injeção de recursos traz consigo o risco de fragmentação social e lutas pelo controle dos benefícios dos recursos.

2. A questão dos IPLCs abrirem seus próprios dados fundiários para outros(as). 

Nesse caso, é compreensível que muitos estejam cautelosos devido ao receio de que os governos e outras partes possam usar os dados contra seus interesses. É evidente que a questão da propriedade e do controle dos dados fundiários dos IPLCs precisa ser priorizada e levar em conta as especificidades do contexto. As decisões sobre a abertura dos dados dos IPLCs devem respeitar, proteger e promover os direitos, o conhecimento e as práticas dos IPLCs, para que sejam agentes ativos e impulsionadores da ação climática. Nesse sentido, é preciso analisar melhor se os dados abertos são uma ameaça em si ou se é a ausência de reconhecimento legal dos direitos à terra e à posse e de proteção eficaz contra a captação e a desapropriação de recursos que está colocando as ILPCs em risco.

 

Conclusão

A crise climática é um perigo claro e presente que exige uma ação urgente e transformadora. À medida que o mundo enfrenta os impactos devastadores da mudança climática, fica cada vez mais claro que a terra é tanto um campo de batalha crítico quanto um poderoso espaço de solução para a ação climática.  

Porém, para aproveitar todo o potencial das soluções baseadas em terra, precisamos de novos paradigmas de governança fundiária e de dados que sejam transparentes, inclusivos e responsáveis. Precisamos ir além dos silos e da opacidade do passado, rumo a um futuro em que os dados fundiários sejam abertos, interoperáveis, acessíveis e acionáveis para todas e todos, ao mesmo tempo em que se protejam os direitos e as prerrogativas de recursos das ILPCs.

A transformação da governança fundiária para a ação climática exigirá a abordagem de desafios políticos de alto nível, bem como a implementação de intervenções legais e técnicas concretas. De forma sistemática, precisamos desafiar os interesses adquiridos e as desigualdades estruturais que impulsionam práticas insustentáveis e injustas de uso da terra e os sistemas econômicos que as sustentam. 

Esse trabalho essencial e urgente requer novas parcerias e colaborações que transcendam as fronteiras setoriais e disciplinares. Elas também exigem confiança, transparência e equidade na tomada de decisões e no compartilhamento de benefícios. Isso significa envolver comunidades e grupos marginalizados como parceiros ativos na governança de dados, e não apenas como sujeitos passivos de dados. Significa também garantir que os benefícios dos dados abertos retornem às pessoas e aos locais que mais precisam deles.

Referências

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