Por Nieves Zúñiga
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A Venezuela é um país de extremos e paradoxos. Por um lado, está no topo do ranking mundial de reservas de petróleo, com 303.806 milhões de barris estimados para 20211. Por outro lado, 96% das famílias venezuelanas vivem na pobreza e 79% na pobreza extrema2. Entre 1920 e 1975, a Venezuela teve o maior crescimento econômico do planeta com o boom do petróleo. Desde 2013, seu produto interno bruto caiu 62%,3 e, desde 2017, a hiperinflação atingiu os níveis mais altos do mundo. Em 2019, a inflação anualizada foi de 39.113%4.
A Venezuela tem 24,4% de terras agrícolas, uma porcentagem que se manteve praticamente inalterada desde o início da década de 1990. O uso da terra para fins agrícolas na Venezuela é limitado por usos reconhecidos de acordo com os objetivos da Lei de Terras
Mar na Venezuela, foto de Paramita, Flickr, CC BY 2.0
A crise econômica do país teve um forte impacto sobre a população. Mais de 5 milhões de venezuelanos deixaram o país desde 2015.5 Em 2020, a população era de mais de 28 milhões de pessoas6. Sua composição étnica está distribuída, de acordo com os números e categorias incluídos no Censo Populacional de 2011, em 51% de pardos, 43% de brancos, 2,8% de negros, 2,7% de indígenas, 0,7% de afrodescendentes e 1,2% de outra etnia. 7
Os contrastes também se refletem na polarização política da Venezuela. Após a queda dos preços do petróleo em 1983 e a implementação de medidas de ajuste estrutural nas décadas de 1980 e 1990 para lidar com a crise da dívida externa, em 1999 a Revolução Bolivariana, iniciada pelo presidente Hugo Chávez e continuada pelo atual governo de Nicolás Maduro, implicou uma mudança de paradigma baseada na rejeição do capitalismo e na centralização do poder no Estado.
A governança da terra nas últimas duas décadas reflete essa mudança. Fundamentalmente, consistiu em expropriações de terras em larga escala e no controle estatal da gestão da terra sob os princípios da função social da mesma, da segurança alimentar da população e da ideia de que a terra é para aqueles que a trabalham. Apesar das políticas do governo para garantir a segurança alimentar da população venezuelana, 79,3% não têm o suficiente para cobrir a cesta básica, de acordo com a Pesquisa de Condições de Vida 2019-2020.8 De acordo com a mesma pesquisa, em 2020, apenas 3% das famílias estão livres da insegurança alimentar. Recentemente, uma situação econômica insustentável está fazendo com que as decisões do governo se voltem para a busca de investidores e o retorno de algumas expropriações. O Estado mantém o controle sobre o petróleo e os minerais.
Embora o meio ambiente não seja alheio a essa realidade devido ao impacto ambiental de atividades ilegais, como a mineração, por exemplo, a Venezuela também é sinônimo de biodiversidade. O país ocupa o nono lugar no mundo em termos de diversidade animal, vegetal e de ecossistemas, e o sétimo em termos de diversidade de aves. Seus 912.050 km29. abrigam mais de 117.000 espécies registradas que vivem em habitats que vão desde as montanhas dos Andes até a floresta amazônica, as planícies dos Llanos e as costas do Caribe e do Atlântico. 10
Legislação e regulamentação de terras
A Constituição venezuelana de 1999 garante o direito à propriedade, que deve ser de utilidade pública ou de interesse geral. Caso contrário, ela pode ser expropriada pelo Estado por meio de uma sentença final e indenização justa (art. 115).
A política de desapropriação de terras dos governos de Chávez e Maduro foi descrita como uma violação do direito à propriedade e como não sendo realizada com a devida indenização, conforme determina a constituição. As leis aprovadas nos últimos anos tornaram mais fácil para o governo realizar o que é conhecido como "expropriações rápidas".11 Por exemplo, a Lei de Segurança e Soberania Agroalimentar de 2008 possibilita a aquisição forçada de bens relacionados ao setor sem a necessidade de obter autorização da Assembleia Nacional 12. E a Lei de Defesa do Acesso do Povo a Bens e Serviços permite que o executivo declare todos os bens de utilidade pública, desde que sejam considerados essenciais e indispensáveis para garantir o direito à vida e a segurança do Estado.13
A principal lei de terras é a Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário de 2001, parcialmente alterada em 2010. Essa lei é motivada pela redistribuição de terras ociosas ou abandonadas e pelo aumento da produtividade da terra a fim de garantir a segurança agroalimentar14. Para isso, a lei introduz elementos como a exigência de produtividade como condição para manter a propriedade da terra e visa eliminar os tipos de posse considerados contrários a esses objetivos. Por exemplo, tanto a legislação fundiária quanto a Constituição venezuelana se opõem ao latifúndio por considerá-lo contrário ao interesse social (Constituição, art. 307). O latifúndio é entendido como uma extensão de terra que excede a taxa média de ocupação da região ou não atinge um rendimento adequado de 80%.15 A Lei de Terras também visa eliminar a terceirização como contrária à justiça, à igualdade, ao interesse geral e à paz social no campo (art. 1º)16. A terceirização é entendida como a forma de exploração da terra para uso agrícola que delega ou concede a terceiros o direito de usufruto sobre ela ou o mandato para trabalhá-la por meio da constituição de empresas, arrendamentos, comodatos, transferência de direitos, copropriedade, meação, usufruto ou outras formas (art. 7). O princípio no qual essa posição se baseia é que "a terra é para aqueles que a trabalham". Assim, essa lei prioriza a satisfação das necessidades da população em detrimento das expectativas do mercado ou do enriquecimento.
De acordo com alguns críticos, a Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário viola as disposições constitucionais sobre o direito à propriedade e expande o poder do Estado, dando-lhe a capacidade de assumir diretamente a produção, a industrialização, a distribuição, a troca e a comercialização da produção agrícola17. Isso é justificado pela associação da produção agrícola com o princípio da segurança alimentar da população venezuelana, que, por sua vez, é desenvolvida com base na soberania alimentar e na distribuição justa de bens. O princípio da soberania alimentar implica o desenvolvimento e o privilégio da produção agrícola doméstica, que é considerada fundamental para o desenvolvimento econômico e social da nação (Art. 305 da Constituição).
A Lei de Terras também reconhece o direito à adjudicação das mesmas. Especificamente, as terras agrícolas do Instituto Nacional de Terras (INTI - sigla em espanhol) podem ser objeto de adjudicação, dando o direito de propriedade agrária ao(a) beneficiário(a) da terra. O direito de propriedade agrária permite que o(a) camponês(a) use, desfrute e perceba os frutos da terra, sendo transferido por herança aos(as) sucessores(as) legais, mas não pode ser objeto de alienação (art. 12). Entre os(as) beneficiários(as) preferenciais da adjudicação de terras estão as pessoas que trabalharam por um período ininterrupto de mais de três anos em terras privadas sob um regime de terciarização quando foram desapropriadas pelo INTI, bem como os(as) ocupantes históricos(as) da terra que trabalham em condições de ocupação precária.
Os assentamentos urbanos são regulamentados pela Lei Especial de Regulamentação Integral da Posse da Terra em Assentamentos Urbanos Populares de 2006.18 Essa lei reconhece o direito de preferência em caso de venda ao município para transferir a propriedade que um titular deseja alienar a um terceiro a uma respectiva comunidade para fins de interesse e uso coletivo (art. 19). Se o município não responder à parte interessada em até 15 dias úteis após o recebimento da oferta, o direito de preferência será anulado.
Classificações de posse de terra
Na Venezuela, há os seguintes tipos de posse de terra: propriedade privada, arrendamento, meação, medianeria, pisatario ou ocupação 19. Os meeiros dão ao(a) proprietário(a) de terras uma parte da colheita produzida por essas pessoas, que no caso da medianeria é a metade. Os(as) pisatarios(as) usam temporariamente terras públicas ou privadas sem pagar em dinheiro ou em espécie aos(as) proprietários(as) de terras por seu uso. A ocupação ilegal pode ser consolidada ou não consolidada, dependendo do tempo que durar.
De acordo com a Lei de Terras e Desenvolvimento Agrário, as terras privadas devem estar sujeitas às necessidades de produção de alimentos de acordo com os planos de segurança agroalimentar do executivo (art. 2). A lei garante a permanência dos(as) camponeses(as) nas terras privadas em que trabalham, mesmo que não sejam seus(suas) proprietários(as), mediante contrato ou negócio com seu(sua) dono(a) por um período mínimo de três anos (art. 14).
As terras com vocação para uso agrário devem ser registradas no Registro Agrário Nacional do Instituto Nacional de Terras 20. O registro não poderá ser feito se o polígono estiver situado em um corpo d'água, rio, lago ou lagoa, ou se a propriedade estiver localizada dentro de Áreas Naturais Protegidas (ANAPRO - sigla em espanhol) ou em terras de povos e comunidades indígenas. Caso esteja localizada em Áreas sob Regime de Administração Especial (ABRAE - sigla em espanhol), o registro poderá ser feito com observações 21.
Direitos coletivos à terra
A Constituição venezuelana reconhece os direitos originários dos povos indígenas sobre as terras que ancestral e tradicionalmente ocupam e que são necessárias para desenvolver e garantir seus modos de vida. Essas terras são inalienáveis, imprescritíveis, impenhoráveis e intransferíveis (art. 119) 22. A Constituição estabelece que a exploração dos recursos naturais deve ser realizada sem prejudicar a integridade desses povos e de acordo com a informação e consulta prévia às comunidades indígenas (art. 120).
As terras indígenas são regulamentadas pela Lei Orgânica dos Povos e Comunidades Indígenas de 2005.23. De acordo com essa lei, cabe ao Poder Executivo, com a participação indígena, demarcar as terras originárias, levando em conta as realidades etnológicas, ecológicas, geográficas, históricas e a toponímia indígena (art. 23). As terras indígenas não podem ser classificadas como devolutas, ociosas ou incultas para efeito de afetação ou adjudicação a terceiros, nem as águas que utilizam (art. 26).
Tanto a Lei dos Povos Indígenas (art. 11) quanto a Lei Florestal (art. 26) reconhecem o direito dos povos indígenas à consulta prévia em atividades de uso de recursos naturais ou projetos de desenvolvimento a serem implementados em terras indígenas. A Lei Florestal de 2013 estabelece que o desenvolvimento florestal deve respeitar a diversidade cultural e a pluralidade dos povos (art. 2) 24. Os recursos do subsolo são de propriedade do Estado.
A Iniciativa de Direitos e Recursos estima que, em 2020, a área sobre a qual os povos indígenas têm seus direitos reconhecidos é de 3,2% do total nacional, e em 44% da área os direitos indígenas não são legalmente reconhecidos.25 Os povos indígenas na Venezuela continuam lutando para defender suas terras na ausência de proteção do Estado. Nos estados do Amazonas e Bolívar, por exemplo, as comunidades Pemón, Piaora, Ye'kwana e Sanemá se organizaram em um "corpo de resistência civil" para se protegerem de mineradores ilegais e invasores de seus territórios ligados a guerrilheiros e ao crime organizado, incluindo membros das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC - sigla em espanhol).26
O Estado não reconhece a propriedade das terras ancestrais dos(as) afrodescendentes venezuelanos(as). Apesar da vulnerabilidade dessas comunidades nesse aspecto, os direitos à terra não foram reivindicados como no caso da população indígena. A falta de mobilização social a esse respeito é descrita por alguns autores(as) como "passividade política", talvez devido ao distanciamento dessas comunidades de suas terras, conforme evidenciado pelo abandono da agricultura de pequena escala, pela venda de terras, pela adoção de um estilo de vida urbano e pela invasão de terras por pessoas de fora 27.
Pico Bolívar, foto de David Hernández, Flickr, CC BY-NC-SA 2.0
Tendências de uso do solo
Mais da metade do território da Venezuela, ou seja, 52,4% em 2020, é área florestal.28. Essa porcentagem tem diminuído progressivamente desde 1990, quando era equivalente a 59%. De acordo com a Global Forest Watch, desde 2000, a cobertura de árvores da Venezuela diminuiu 4,1%, principalmente em Bolívar, mas também em Zulia, Monagas, Amazonas e Anzoátegui 29. Algumas das causas desse declínio são o desmatamento e os incêndios. Não foram encontrados dados oficiais sobre o desmatamento, mas, de acordo com a organização Provita, entre 2010 e 2015, 2.822.000 hectares foram desmatados 30. Estudos da Provita indicam que o desmatamento foi responsável pela perda de 1% da cobertura florestal na Amazônia venezuelana de 2000 a 2020 31. As principais causas do desmatamento são a agricultura e a mineração. O uso agrícola é o mais difundido, ocupando 2,3% da Amazônia, embora, de acordo com o Provita, sua expansão anual tenha diminuído nos últimos dez anos. Ao mesmo tempo, a expansão das terras agrícolas não levou necessariamente a um aumento na produção agrícola devido ao abandono da terra após alguns anos. A mineração ocupa uma pequena área na Amazônia (0,1%), embora de 2000 a 2020 sua expansão tenha dobrado. O estado mais afetado por ambas as atividades é Bolívar, que concentra 89,4% da atividade agrícola e 97% da mineração na Amazônia venezuelana. 32
Em relação aos incêndios, de acordo com informações do Global Forest Watch, entre 24 de maio de 2021 e 16 de maio de 2022, foram registrados 12.045 alertas de incêndio, considerando apenas os alertas de alta confiança.33 Esse é um número considerado normal em comparação com os anos anteriores.
A Venezuela tem 24,4% de terras agrícolas, uma porcentagem que se manteve praticamente inalterada desde o início da década de 1990 34. O uso da terra para fins agrícolas na Venezuela é limitado por usos reconhecidos de acordo com os objetivos da Lei de Terras. Não são considerados usos de acordo com a lei: 1) uso da terra contrário aos planos nacionais de desenvolvimento e segurança alimentar; atividades agrícolas contrárias àquelas correspondentes à classificação do solo estabelecida para cada categoria; 3) terra usada por meio de terciarização; 4) terra dentro da área de influência de projetos agroprodutivos ou agroecológicos estratégicos desenvolvidos pelo Executivo, quando seu uso for contrário aos objetivos do respectivo projeto (art. 35).
O tipo de cultivo também é determinado pelos itens estabelecidos pelo Estado como necessários para satisfazer a segurança alimentar. Na época da aprovação da Lei de Terras, em 2001, as prioridades agroalimentares estabelecidas pelo Estado foram direcionadas para a produção de proteína animal (carne, leite e ovos), culturas oleaginosas e cereais. Os planos do governo também incluíam a promoção da produção de milho, o aumento do consumo de arroz e a redução do consumo de trigo 35. Em 2020, as culturas com maior produção foram cana-de-açúcar (2.619.188 toneladas), milho (1.552.359 toneladas), banana (884.207 toneladas), banana-da-terra e outras (720.998 toneladas) e óleo de palmiste (503.228 toneladas), representando 53,4% da produção nacional total 36. As culturas que ocupam a maior área de terra são o milho (444.627 ha), o café verde (162.807 ha) e o arroz em casca (122.368 ha). 37
Em termos de gado, havia 10.842.004 cabeças de gado em 2020, sendo que os estados de Zulia e Apure tinham as maiores populações 38. De acordo com vários estudos recentes, as preocupações com a produção e distribuição de proteínas continuam vinte anos depois. O consumo médio de carne por ano é de 7 quilos por pessoa.39. Um dos motivos para isso é o declínio na produção animal. A produção de gado, por exemplo, caiu 44% nos últimos 20 anos 40. Estima-se que, nos últimos anos, o número de produtores de suínos tenha diminuído em 50% 41. Atualmente, considera-se que o setor de suínos produz apenas 20% de sua capacidade 42. m 2019, o consumo médio de carne suína foi de 1,3 quilos por pessoa.43. As dificuldades econômicas do país, expressas na escassez de medicamentos para animais e na diminuição do poder de compra do cidadão devido à hiperinflação, contribuem para esse declínio geral da pecuária. 44
Uma parte significativa da superfície da Venezuela (68,4%) foi decretada pelo Estado venezuelano como Áreas sob Regime de Administração Especial (ABRAE - sigla em espanhol), de acordo com a Lei Orgânica de Planejamento Territorial de 1983.45. Essas áreas ocupam quase 96.900.000 hectares, incluindo superfícies de terra e água 46. As ABRAE são áreas que, devido às suas características geográficas, paisagísticas, geoestratégicas, topográficas ou socioculturais, recebem tratamento especial para defendê-las, conservá-las ou melhorá-las. Essas áreas são classificadas em 24 categorias diferentes, incluindo parques nacionais, monumentos naturais, refúgios de vida selvagem, reservas de vida selvagem, santuários de vida selvagem e reservas de biosfera. Nem todas as ABRAEs são destinadas à conservação do ambiente natural e da biodiversidade; algumas são para fins de produção e estratégicos e para interesses urbanos, industriais e agrícolas.47
A área urbana da Venezuela ocupa 34.404 km2 , um número que se mantém inalterado desde pelo menos 1990 48. A população urbana cresceu significativamente de 1960 a 2001, coincidindo com o boom do petróleo, de 62% para 88% 49. Desde então, ela tem se mantido estável.
As planícies venezuelanas, foto de Fernando Flores, Flickr, CC BY-SA 2.0
Investimentos fundiários
Os interesses de investimento do Estado venezuelano estão concentrados principalmente no setor de petróleo. Apesar de possuir uma das maiores reservas do mundo, o setor petrolífero estatal da Venezuela está operando bem abaixo de sua capacidade devido ao subinvestimento 50. A Venezuela precisaria de US$ 58 bilhões em investimentos, tanto venezuelanos quanto estrangeiros, para recuperar a produção de petróleo para os níveis de 1998. A convocação de investidores(as), definida no documento "Oportunidades de Investimento" de 2021 da Petróleos de Venezuela, ocorre em um momento em que o governo busca restaurar as relações com o setor privado e superar a crise econômica do país após anos de políticas controladas pelo Estado.
Nos últimos anos, o Estado venezuelano também investiu no setor de mineração, com foco em ferro, carvão, bauxita, coltan, granito, diamante, quartzo e ouro. Após o boom do petróleo, o setor de mineração foi reativado em 2015 com uma reforma legislativa que reserva ao Estado a exploração e o aproveitamento do ouro e de outros minerais estratégicos na estrutura do Plano de Desenvolvimento da Mineração 2016-2018 51. Assim, o Estado mantém a soberania nacional sobre os recursos de mineração 52.
O motor de mineração foi instalado no Arco Minero do Orinoco, que abrange uma área de 111.843 km2, dos quais 5% foram planejados para produção de mineração 53. Em 2016, o Arco Minero do Orinoco foi designado como uma Zona de Desenvolvimento Estratégico Nacional. Essa designação não foi isenta de controvérsias, pois, apesar de ser promovida pelo governo como um local onde a mineração pode ser realizada de forma legal e segura e com respeito aos direitos humanos e ambientais, a mineração ilegal se expandiu na área, de acordo com algumas organizações, sob a proteção do governo 54. Além do desmatamento, a mineração ilegal está causando outros problemas ambientais, como a poluição da água devido ao mercúrio usado na extração do ouro, bem como a violência e as ameaças contra as comunidades locais. 55
Em nível agrário, com o objetivo de criar incentivos, condições adequadas e proteção para a produção, o governo venezuelano relançou em 2020 a Grande Missão Agrovenezuela, aprovada em 2014 com o Decreto 1409, a fim de convertê-la em lei constitucional 56. O projeto tem nove áreas de trabalho: 1) pesquisa e desenvolvimento, 2) territorialidade, 3) produção, 4) distribuição, 5) exportação, 6) financiamento, 7) monitoramento e controle, 8) organização do Poder Popular e 9) segurança e defesa. Em relação ao financiamento, o objetivo é fortalecê-lo por meio de intercâmbios agrícolas com participação privada. O planejamento conjunto dos setores produtivos por vértice, itens e regiões é considerado fundamental, com o objetivo de orquestrar um plano de produção sob a mesma plataforma 57.
Vista do teleférico de Mérida, foto de David Hernández, Flickr, CC BY-NC-SA 2.0
Aquisições de terras
Desde a Revolução Bolivariana de Hugo Chávez, a aquisição de terras na Venezuela tem sido praticada pelo governo por meio da expropriação em larga escala de terras para distribuição aos menos favorecidos e para o desenvolvimento de projetos agrícolas estatais. A força motriz por trás dessa política é que os(as) proprietários(as) abusivos(as) possuíam terras que não lhes pertenciam e que essas terras pertencem aos(às) camponeses(as) para compensar décadas de injustiça. As terras desapropriadas são aquelas que estão ociosas ou para as quais não há prova de propriedade legítima desde 1830 58. De acordo com dados da Confederação de Associações de Produtores Agrícolas da Venezuela (Fedeagro), 5 milhões de hectares foram desapropriados nos últimos anos 59. A Fedeagro também afirma que a produção foi paralisada em 70% devido à falta de combustível.
Alguns críticos argumentam que a expropriação de terras pelos governos de Chávez e Maduro (no poder desde 2013) minou o direito à propriedade privada e que sua distribuição foi usada politicamente para estabelecer relações de patrocínio com aqueles(as) que apoiam o governo e para punir quem se opõe a ele 60. Eles também argumentam que parte do que causou o colapso dos direitos de propriedade na Venezuela foi a apropriação de terras e a propriedade estatal da principal empresa de petróleo da Venezuela, a Petróleos de Venezuela, e dos recursos de mineração 61.
Em abril de 2022, no contexto de uma grande crise econômica, o governo Maduro acelerou a devolução, sem compensação financeira, de ativos expropriados durante o governo Chávez, incluindo fazendas e terras ligadas à produção agrícola, bem como empresas, hotéis e indústrias 62. Essa reação ocorreu depois que uma arbitragem internacional ordenou que a Venezuela pagasse, em março, uma indenização de 1,4 bilhão de euros a uma empresa agrícola 63.
Direitos da mulher à terra
A maioria da população feminina venezuelana é rural - 45,72% de 49,83% em 2018. Nos últimos anos, o setor agrícola tornou-se mais feminizado e envelhecido devido à migração de um grande número de venezuelanos, deixando as mulheres adultas como chefes de família que atuam como avós-mães 65.
A Constituição venezuelana de 1999 é considerada uma das mais avançadas da região em termos de direitos à terra das mulheres rurais 66. Em vez de incluir disposições especiais para as mulheres, o reconhecimento consiste em colocar homens e mulheres em condições de igualdade, o que se reflete no uso de uma linguagem não sexista. O artigo 307 declara que "os(as) camponeses(as) e outros(as) produtores(as) agrícolas têm direito à propriedade da terra". A Lei de Terras estabelece como beneficiários(as) da adjudicação de terras todos os homens e mulheres venezuelanos que tenham optado pelo trabalho rural e pela produção agrícola, embora o artigo 14 dê prioridade aos(as) cidadãos(ãs) venezuelanos(as) que sejam chefes de família e que estejam comprometidos(as) com o trabalho na terra para sustentar seu grupo familiar e contribuir para o desenvolvimento de sua comunidade e da nação. As cidadãs envolvidas na produção agrícola também terão garantido um subsídio alimentar especial pré e pós-natal. Apesar desse tratamento preferencial para mulheres chefes de família, em 2007 apenas 13% das mulheres foram beneficiadas 67.
Em relação à ajuda às mulheres rurais, o Plano de Igualdade de Gênero 2013-2019 inclui como linha de ação uma campanha de comunicação para promover o financiamento de projetos produtivos para organizações de mulheres em áreas rurais, camponesas, indígenas e afrodescendentes 68. Esse plano carece de um orçamento indicativo para o uso de recursos para sua execução e, até o momento, não houve prestação de contas a esse respeito 69. Por meio do Banco de Desenvolvimento da Mulher, desde sua criação em 2001 até 2019, foram aprovados 170.331 microcréditos, dos quais 22% são agrários rurais, urbanos e periurbanos, e 78% foram para atividades não agrícolas 70.
Apesar de alguns avanços, as organizações de mulheres consideram que a discriminação contra as mulheres em geral, e contra as mulheres rurais e indígenas em particular, continua 71. As queixas específicas referem-se à falta de fontes de financiamento devido à diminuição da oferta governamental nesse sentido e à oferta deficiente de insumos produtivos (fertilizantes, maquinário, sementes, etc.), treinamento e assistência técnica, serviços sociais, inflação e desvalorização da moeda, entre outros. Em particular, a falta de ajuda aos(as) pequenos(as) produtores(as) é criticada. Como disse uma das camponesas que participou de um estudo sobre mulheres rurais, "não recebemos água encanada por quase - acho que perdi a conta - quatro anos (...) e o gás chega a cada dois ou três meses" 72.
Para saber mais
Sugestões da autora para leituras adicionais
As políticas agrícolas da Venezuela nos últimos anos têm como objetivo garantir a segurança alimentar da população. Entretanto, a recessão na produção agrícola torna esse objetivo difícil de ser alcançado. A Red Agroalimentaria de Venezuela analisa a situação no relatório La situación agrícola de Venezuela, una aproximación al problema y líneas de acción para resolverlo en el corto plazo (A situação agrícola da Venezuela, uma abordagem do problema e linhas de ação para resolvê-lo em curto prazo), publicado em 2018.73. Como outros países da região, a Venezuela está sofrendo com o desmatamento de suas florestas. Carlos Pacheco, Inmaculada Aguado e Danilo Mollicone analisam as causas principais e subjacentes do desmatamento desde os tempos pré-colombianos até 2011 74. , data de publicação do artigo, em um estudo intitulado Las causas de la deforestación en Venezuela: un estudio retrospectivo (As causas do desmatamento na Venezuela: um estudo retrospectivo). Afetada pela riqueza petrolífera do país, a mineração é tanto uma esperança para sair da crise econômica quanto uma ameaça para muitas das pessoas que vivem perto dos recursos de mineração. Uma equipe de pesquisadores(as) da Universidade dos Andes apresenta o Panorama socioeconômico da mineração na Venezuela (1970-2014) e comparações entre períodos governamentais, publicado em 2018 75.
Linha do tempo - marcos na governança da terra
1922 - Início do boom do petróleo
A descoberta de petróleo em solo venezuelano fez com que muitos(as) camponeses(as) deixassem o campo para trabalhar nos campos de petróleo ou migrassem para as cidades. A Venezuela não era mais um país agrícola, mas um país petrolífero.
1947 - Nova política agrícola
A Corporación Venezolana de Fomento, com o objetivo de diversificar a economia, promove uma política setorial agrícola focada em planos de produção por item por meio de créditos a produtores(as) empreendedores(as). A taxa de câmbio desestimulou as exportações e redirecionou a atenção do setor de agroexportação para o mercado interno 76.
1960 - Lei de Reforma Agrária
Essa lei buscava reativar e atrair os(as) camponeses(as) que haviam abandonado o campo venezuelano, promovendo a distribuição equitativa de terras e uma organização adequada de crédito e assistência aos(às) produtores(as), criando assim uma classe média rural de pequenos(as) e médios(as) agricultores(as) comerciais.
1971 - Programa de Desenvolvimento Agrícola Abrangente (PRIDA - sigla em espanhol)
Em um contexto agrícola dividido entre um setor empresarial em expansão e um setor camponês relativamente estagnado e em risco de empobrecimento, o PRIDA visava ao desenvolvimento abrangente de áreas que haviam se beneficiado da dotação de terras da reforma agrária.
Década de 1980 a 1990 - Políticas de ajuste estrutural
Durante a década de 1980 e início da década de 1990, foram implementadas políticas de ajuste estrutural para lidar com a crise da dívida externa. Isso envolveu a liberalização do comércio para controlar o déficit fiscal, a contração dos gastos públicos, a liberalização dos preços, a redução das tarifas e o congelamento das taxas de juros para estimular o investimento privado 77. Isso coincidiu com a crise do preço do petróleo de 1983.
1999 - Início da Revolução Bolivariana
Com a presidência de Hugo Chávez (1999-2013), houve uma mudança de paradigma que envolveu a rejeição do capitalismo e a centralização do poder no Estado. Em relação à terra, isso implicou expropriações em larga escala sob o slogan de que a terra é para aqueles(as) que a trabalham.
Década de 2010 - Hiperinflação
Em 2014, a inflação na Venezuela foi de 69%, a mais alta do mundo. A partir desse momento, ela não parou de subir até atingir 800% em 2016, 4.000% em 2017, 1.698.488% em 2018 e 9.500% em 2019. Isso e a queda do PIB para 40% são os sintomas de uma crise econômica sem precedentes que levou à migração de milhões de venezuelanos(as) para o exterior. No campo, isso se traduziu em uma redução na produção agrícola devido à baixa rentabilidade, escassez de insumos a preços subsidiados ou regulamentados, menor investimento devido à incerteza, controles, insegurança jurídica e falta de respeito à propriedade privada78.
Referênces
[1] Expansion. Venezuela - Oil reserves.
[2] ENCOVI. Living Conditions Survey 2019-2020.
[3] ECLAC (2019). Bolivarian Republic of Venezuela. Preliminary Overview of the Economies of Latin America and the Caribbean.
[4] Ibid.
[5] International Organization for Migration (IOM). (2021). "New MPI-IOM report: Long-term policies, key to the integration of refugees and migrants from Venezuela".
[6] Datosmacro. Venezuela - Population.
[7] National Institute of Statistics (2014). XIV National Population and Housing Census. Resultados Total Nacional de la República Bolivariana de Venezuela.
[8] ENCOVI. Living Conditions Survey 2019-2020.
[9] World Bank (2018). Surface area (square kilometers) Venezuela.
[10] Vitalis. "Venezuela contributes 9% of the world's biodiversity".
[11] Juan Paullier (2011). "What is known about Chávez's expropriations". BBC.
[12] National Assembly (2008). Ley Orgánica de Seguridad y Soberanía Agroalimentaria.
[13] National Assembly (2010). Law for the Defense of Persons in the Access to Goods and Services.
[14] Edgar Jaimes, et. al. (2002). "Land ownership and agrifood security in Venezuela". Interciencia, vol. 27, no. 12.
[15] National Assembly (2010). Law of Partial Reform of the Law of Lands and Agrarian Development.
[16] Ibid.
[17] Yolanda Valery (2010). "Venezuela: Land Law reform approved". BBC Mundo.
[18] National Assembly (2006). Special Law for the Integral Regularization of Land Tenure of Popular Urban Settlements.
[19] National Assembly (2010). Law of Partial Reform of the Law of Lands and Agrarian Development.
[20] National LandInstitute (2018). Norms, Requirements and Procedure for Registration in the National Agrarian Registry. Ministry of the People's Power for Agriculture and Lands.
[21] Ibid.
[22] National Constituent Assembly (1999). Constitution of the Bolivarian Republic of Venezuela.
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[32] Ibid.
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