Uma das formas de jogar luz a problemas estruturais é retomar produções científicas de décadas passadas e contrastá-las com a realidade presente. Neste intuito, analisaremos um estudo das políticas brasileiras que encorajam desmatamento na Amazônia, escrito por Hans. P. Binswanger em 1991 [1] de forma a contrastar suas conclusões à época com o presente.
Nele, Binswanger enfoca seis previsões legais e fiscais como determinantes da expansão do desmatamento no Brasil. Iniciando com os impostos sobre a renda agrícola, algumas das distorções apresentadas foram corrigidas no decorrer destes últimos 30 anos, em especial com as mudanças das regras para o imposto de renda para atividades agrícolas, tanto no caso das pessoas físicas quanto jurídicas. Entretanto, um problema destacado ainda persiste: a fiscalização das declarações de renda provenientes da agricultura ainda encontra dificuldades, em especial nos casos de exploração agrícola irregular ou ilegal, como em terras devolutas e áreas protegidas.
O segundo ponto se refere às regras de alocação das terras. Neste quesito, Binswanger aponta para algo que se repete até os dias de hoje: a ocupação e reivindicações de posse e propriedade da terra nas fronteiras agrícolas acontece com ou sem amparo na lei, e isso gera um mercado de terras – mesmo que informal. Estes atores operam com a expectativa de regularização futura, algo que se mantém até hoje. O texto ainda traz exemplos da época, onde títulos de propriedade eram concedidos aos posseiros com base em até 3 vezes a área desmatada por eles. Este tipo de regra teria efeitos causais claros em dois sentidos: incentiva o desmatamento independente da capacidade de produção dos agentes e privilegia os atores com mais recursos, dado que podem operar o desmatamento e criação de estradas em maior escala.
Seguindo adiante, o terceiro ponto aborda uma questão central para a governança terras no Brasil, a debilidade funcional imposto sobre a propriedade rural. imposto sobre a propriedade territorial rural (ITR) é progressivo em princípio, mas sua implementação efetiva o torna disfuncional, especialmente dado que seu valor relativo é muito baixo e incapaz de regular a manutenção especulativa da terra. Além disso, o quinto ponto trazido é a falta de instrumentos federais contendo previsões que incentivem investimento em áreas já desmatadas.
Por fim, Binswanger aponta as deficiências da estrutura de incentivos fiscais e creditícios dos programas regionais à época (como os antigos programas regidos pela SUDAM e outros). O exemplo mais grave seria ligado à estrutura de incentivos que permitia empresas de todo o país acessar uma isenção fiscal de até 25% através de investimentos em empresas selecionadas localizadas no bioma amazônico ou cerrado – ademais, grande parte destas empresas e projetos não foram sequer implementados. Nesta mesma linha, o desenho do sistema de créditos subsidiado para os produtores rurais gera desequilíbrios na medida em que privilegia os grandes proprietários com acesso a um título legal de propriedade ou ainda certificados de ocupação.
Somados estes fatores, a conclusão do estudo é que o imposto sobre a produção agrícola, as regras para alocação de terras públicas, as deficiências do imposto sobre a propriedade rural e o desenho da política de isenção de impostos e créditos subsidiados para o setor agropecuário aceleram o desmatamento e deveriam ser corrigidos. Desta feita, comparando esta análise de 30 anos atrás com o cenário atual, fica claro que diversos problemas estruturais ainda se mantêm. Claramente houve avanços importantes nestas décadas, como as reformas na legislação ambiental e programas bem-sucedidos na diminuição do desmatamento (como o PPCDAm). Ainda assim, nos últimos 5 anos temos visto a volta acelerada do desmatamento e degradação ambiental, atestada pelos sucessivos recordes de desmatamento nos últimos anos. De todo modo, o contato com estudos de um período anterior como o de Binswanger mostra que certos problemas são persistentes e não foram enquadrados adequadamente até os dias de hoje.
Referências
(1) BINSWANGER, H. P. Brazilian Policies that Encourage Deforestation in the Amazon. World Development, Vol. 19, No. 7, 1991.
Blog originalmente publicado no IGTNews No. 47