O movimento pressionou para que governo dê os próximos passos, entre eles, a criação de um grupo técnico para avançar na redação do documento da política; a ampliação da participação de órgãos governamentais e da oferta de editais para projetos de gestão; além da realização, pela Conaq, de oficinas estaduais. Diante das demandas, Juliana Simões, secretária de Extrativismo e Desenvolvimento Sustentável do MMA, sustentou a proposta de criação de um Grupo de Trabalho Interministerial para a construção da política, que deverá propor a edição de uma portaria ou decreto. A estratégia será decidida na próxima reunião entre representantes quilombolas, do governo e de organizações de apoio.
O encontro também reservou momentos para revelar iniciativas exitosas de gestão, como os Planos de Gestão Territorial e Ambiental das comunidades quilombolas do Jalapão (TO) (veja aqui) e os Protocolos de Consulta elaborados por territórios no Pará; também foram apresentados os resultados de cinco projetos financiados por um edital lançado pelo MMA em 2016. Segundo o documento, a gestão territorial e ambiental quilombola tem como objetivo proteger, conservar e manejar de forma sustentável os recursos naturais dos territórios quilombolas, promovendo também sua valorização cultural - independente da situação fundiária em que se encontrem. “Fazer a gestão territorial e ambiental é a gente proteger nossos territórios para nossos filhos e nossos netos”, resume Denildo Rodrigues de Moraes, o Biko, da Conaq.
Para Adriana Ramos, coordenadora do Programa de Política e Direito Socioambiental (PPDS) do ISA, “foi uma lufada de ar fresco poder discutir o futuro da gestão territorial nesse cenário que vive o país hoje”. Ela destaca a quantidade de iniciativas que já têm sido desenvolvidas pelas comunidades e reitera que, independente do cenário político que venha se desenhar no país com as eleições, as comunidades quilombolas demonstram maturidade para dar seguimento à essa construção.
As atividades também contaram com a participação de representantes da Universidade de Brasília (UnB), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), do Serviço Florestal Brasileiro (SFB), do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), da Fundação Cultural Palmares (FCP) e da Secretaria Especial de Políticas Públicas e Igualdade Racial (Seppir) – e foram financiadas pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).
Saindo do papel
Um dos problemas discutidos foi a sobreposição com Unidades de Conservação, em que, não raro, o reconhecimento de quilombos enfrenta oposição dos próprios órgãos ambientais. Atualmente existem 60 Unidades de Conservação federais e estaduais sobrepostas a territórios quilombolas, segundo levantamento feito pelo ISA em 2018.
É o caso de duas comunidades de Oriximiná, no Pará, que, após décadas de luta, comemoram a publicação das portarias de reconhecimento e declaração de seus territórios pelo Incra no dia 19 de julho e a assinatura de um acordo de gestão compartilhada com o MMA e o ICMBio das áreas sobrepostas por duas UCs de proteção integral: a Reserva Biológica (Rebio) do Rio Trombetas e a Floresta Nacional (Flona) Saracá-Taquera. “Desde a década de 1980 que a gente vem lutando pela liberdade e a gestão dos nossos territórios. A gente precisa ter ele em mãos para determinarmos e mandarmos no que é nosso. Para nós é uma grande vitória”, conta Ari Carlos Printes, da Associação Mãe Domingas do Alto Trombetas.
Seu Dileudo, da Federação das Organizações Quilombolas de Santarém (FOQS), fechou sua participação no evento compartilhando a angústia de viver em um país em que muitas leis são criadas e poucas são cumpridas - especialmente quando se trata dos direitos dos negros. “Hoje nós estamos aqui fazendo documento para virar lei. É uma forma que a gente vai alimentando essa esperança e vai entrando governo, vai saindo governo, e nada é feito. Nós estamos pedindo aquilo que de direito é nosso”, protestou.
Todas as oficinas territoriais contaram com a participação de representantes indígenas, que compartilharam com as comunidades quilombolas a experiência de dez anos de construção da Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas (PNGATI), criada por decreto em 2012, mas sem orçamento próprio para ser implementada. Uma das preocupações com o modelo de financiamento da política quilombola é que ela não sofra do mesmo problema.
Ouvir dos indígenas como a PNGATI tem ou não saído do papel foi essencial, avalia Kátia Penha, para quem só a mobilização das comunidades fará com que a nova política se efetive: “Não pensemos nós que vamos sair daqui hoje com isso; não vai sair. A gente está num momento de fragilidade política. A gente não está iludido, não. A gente está com muito pé no chão”.