O Ministro Chefe da Casa Civil da Presidência da República, Eliseu Padilha,ocupou terras do Parque Serra Ricardo Franco já após o local ser considerado unidade de preservação ambiental. A denúncia de grilagem foi feita na tarde desta quinta-feira (26) pelo Ministério Público do Estado de Mato Grosso (MPE), por meio do Procurador-geral de Justiça em exercício, Luiz Alberto Esteves Scaloppe e de Regiane Souza de Aguiar, Procuradora de Justiça de Vila Bela da Santíssima Trindade, município onde se localiza o Parque ecológico. Questionado por Olhar Jurídico, o Ministro Eliseu Padilha "nega que o alegado fato exista".
O Parque em questão está situado no município de Vila Bela da Santíssima Trindade (521 km a oeste da capital) e é considerado a unidade de conservação estadual com maior potencial turístico de Mato Grosso, contendo em seu interior centenas de cachoeiras, piscinas cristalinas, vales e uma vegetação que reúne floresta Amazônica, o Cerrado e Pantanal, com espécies únicas de fauna e flora, algumas ainda desconhecidas da ciência.
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A coletiva de imprensa marcou o anuncio de protocolização de recurso que buscará reverter a derrota do órgão ministerial da justiça. Isto porque a Procuradoria Geral do Estado de Mato Grosso (PGE-MT) entrou com recurso de suspensão das liminares do MPE, junto ao Tribunal de Justiça. Para os Procuradores não há dúvidas de que, além de ter cometido ato de “grilagem”, o ministro do peemedebista Michel Temer ainda usou de seu poder político para defender interesses particulares.
São mais de 120 propriedades dentro do parque ecológico, afirmou a Procuradora. Questionada, em seguida, se a entrada de Padilha naquelas terras ocorreu antes ou depois do local tornar-se unidade de preservação ambiental, ambos respondem: “depois”.
Em outro momento, Luiz Alberto Scaloppe avança na acusação. “O Ministro Padilha está ocupando irregularmente o parque, que é uma unidade de conservação. Deduzo que ele não tenha consciência ambiental de que está fazendo isso, além das pressões, que temos notícias, que ele faz para permanecer no parque. O que melhor faria o ministro, para dar um exemplo nacional, era aceitar o Termo de Conduta oferecido pelo Parque, é bom que se entenda isso. Nesse acerto ele daria um exemplo de que iria cumprir as normas, de acordo com a Constituição e as Leis Brasileiras”.
Adiante, o Procurador adjetiva. “O ministro está ocupando indevidamente aquela área. Disse, em outro momento, que quem invade indevidamente é grileiro, é assim que a gente chama”.
Mexendo os pauzinhos:
Para o MPE, não bastando invasão da área, o Ministro teria interferido em assuntos de interesse do Estado de Mato Grosso para manutenção de seus desejos particulares, mediante ligações telefônicas e pressões sobre o governador Pedro Taques (PSDB) e o vice, Carlos Fávaro (PSD). O objetivo: derrubar as liminares que buscavam “esvaziar” a área e garantir a preservação ambiental do Parque.
“Todos os dias estão sendo feito isso (ação de preservação) em Mato Grosso. Em todos os lugares embargados pelo IBAMA e pela Sema MT estamos tirando motores, correntões, gado, casa e ferramentas. De repente, só ali que não pode tirar? Por quê? Houve um pedido em especial? O Estado não falava nada, tudo calmo, de repente, veio um pedido de alguém que é poderoso no momento e acontecem todas essas coisas”.
Questionado quem seria essa “pessoa poderosa no momento”, o Procurador dá nome aos bois. “Uma pessoa que consegue mover um governador, um vice-governador e a diretoria da Sema MT, tem que ser poderosa e eu deduzo que seja o Ministro Padilha. Afinal, o governo do Estado está reclamando tanto de dinheiro e precisando tanto da ajuda da Casa Civil e da União, para ter seus recursos públicos... ele deve ser uma pessoa poderosa! Também a PGE é poderosa, também o governador, também o vice-governador presidente da Aprosoja, muito ligado com o Ministro da Agricultura (Blairo Maggi). São muito poderosos”, queixou-se o Procurador.
Questionado sobre qual seria o interesse do governador em atender a uma solicitação direta e particular do Ministro Eliseu Padilha, o Procurador oferece hipóteses. “Sob pressão, sob pedido ou por boa vontade ideológica. Não sei o que se passa na cabeça do governador, mas sei que ele está fazendo uma coisa errada”.
Adiante o representante do MPE lamentou. “Estou decepcionado com a atitude do meu amigo (Pedro Taques), muito decepcionado, pois esse é um precedente. Ele é um Constitucionalista, um bom professor e sabe que não poderia ter feito isso”. Mais tarde, em particular, ao Olhar Jurídico, considerou a atitude “imoral”.
A Procuradora Regiane de Aguiar explica a importância do Parque Serra Ricardo Franco e detalha que as 50 ações do MPE, o qual figurou entre os ajuizados o Ministro Padilha, visavam reverter danos causados após a criação da unidade de preservação. “O Parque foi criado por um Decreto Estadual de 1997 após estudo sobre a importância ambiental. Estamos falando do bioma amazônico, áreas de cerrado, pantanal, com espécies raras e ameaçadas de extinção, além de recursos hídricos de suma importância para o Estado. Já existiam, sim, alguns proprietários em atividade no local, mas depois da criação do parque novos possuidores entraram na área e começaram a explorá-la economicamente. Todas as 50 ações ajuizadas são a reparação dos danos do desmatamento ocorrido depois da criação do parque”, explica.
Fazenda de Padilha:
Em dezembro de 2016, o Tribunal de Justiça de Mato Grosso (TJMT), atendendo 51 ações do MPE, determinou busca e apreensão na Fazenda Paredão, de propriedade de Marcos Antônio Assi Tozzati, ex-assessor do Ministro Eliseu Padilha. Lá foram apreendidos um trator e 1.912 bovinos. Policiais e fiscais identificaram péssimas condições das acomodações dos funcionários, inclusive com presença de galões de gasolina e vasilhames de agrotóxicos.
A Fazenda Paredão não possui sede própria e, portanto, se utiliza da estrutura da Fazenda Jasmim Agropecuária, que pertence ao Ministro Padilha. Os policiais fizeram buscas nas casas e alojamentos da Jasmim, onde foram encontradas duas espingardas calibre 36 e uma motosserra.
Segundo a Justiça, a apreensão do gado foi determinada para cessar os danos ao meio ambiente e por ser instrumento do crime, conforme o artigo 48 Lei 9.605 / 1998 (impedir ou dificultar a regeneração da vegetação).
Histórico do Embate:
O Juízo de Vila Bela da Santíssima Trindade havia deferido a liminar que garantia a proteção do Parque. Na ocasião, o MPE ingressou com 50 ações civis públicas contra proprietários de áreas, garantindo o esvaziamento do espaço e o fim da atividade extrativista e pecuária. O Poder Judiciário havia ainda determinando o bloqueio de bens desses proprietários na ordem de R$ 949,5 milhões.
Em dezembro de 2016, todavia, a Procuradoria do Estado obteve, por decisão monocrática no TJ, a suspensão da decisão. “Primeiramente entraram (com liminar) contra o Item C – fiscalização ostensiva e retirada do rebanho. O presidente do TJ deferiu. Logo após o Estado aditou (solicitou alterações) para que fossem também suspensos os demais itens da ação civil pública contra o Estado, inclusive a questão do plano de manejo e da regularização fundiária”.
Para Scaloppe, em outras palavras, o Governo do Estado atuou na defesa de interesses privados através da PGE, o que seria, segundo ele “inadmissível” e “imoral”. Além da atuação do Estado em defesa das propriedades, outros 30 agravos de instrumento tentam, na justiça, reverter a decisão favorável ao MPE.
Raio-X do Parque:
O Parque Serra Ricardo Franco é indevidamente ocupado hoje por 120 propriedades privadas. O MPE, após investigações, contatou inclusive áreas onde pessoas seriam submetidas a trabalho escravo. Fotos e levantamentos comprovariam a prática desumana. Pessoas submetidas a trabalho degradante também seriam encontradas nas propriedades da empresa do Ministro Eliseu Padilha. O levantamento geográfico do órgão ainda aponta para grande desmatamento na unidade de conservação.
Do total de 158,6 mil hectares, mais de 19 mil hectares já estariam desmatados após a criação do parque. “Com estes autos de infração lavrados eu ajuizei as 50 ações civis públicas individuais em face destes proprietários para reparação deste dano ambiental ocorrido de 1998 a 2015” , explicou a promotora de Justiça.
Para dar resposta a esta situação, a Sema-MT iniciou em outubro de 2015 ações de levantamento e atualização das ocupações no interior da unidade para identificar quais estão dentro da legalidade. Desde que foi deflagrada a operação encontrou diversos crimes ambientais, totalizando multas que ultrapassam R$ 800 mil. O MPE, todavia, assevera. Os servidores responsáveis por estas fiscalizações foram misteriosamente afastados pelo Estado.
O parque foi criado pelo Decreto 1.796, de 04 de novembro de 1997.
Estado rebate:
O chefe da Casa Civil, secretário Paulo Taques, nega que o Estado tenha agido em defesa dos interesses pessoais do Ministro e defendeu as ações do Governo do Estado na Serra Ricardo Franco. “Não, em nenhum momento. Eu, juntamente com o vice-governador Carlos Fávaro, recebi os proprietários, os fazendeiros, não recebemos nenhum tipo de pressão ali, tratamentos com eles de maneira normal. Sobre o fato do Ministro Chefe da Casa ser um dos proprietários da fazenda, nós não recebemos nenhum tipo de pressão nesse sentido. Nosso governo não tem esse costume feio e ceder à pressão e tratamos tudo de maneira republicana, dentro da legalidade, independente das partes envolvidas, nosso interesse é o interesse do cidadão”, garante Paulo Taques, ao ser questionado sobre a suposta ação do governo em prol dos interesses de Padilha.
Paulo Taques ainda explica as dificuldades para atuar sobre o Parque. “Não houve nenhum tipo de pressão e nós não olhamos os nomes de quem são os fazendeiros, nós olhamos o interesse público. Estamos passando por um momento de grande dificuldade financeira. Uma desapropriação e um plano de manejo de uma área desse tamanho requerem milhões de reais. Por isso, pedimos apenas a suspensão dos prazos para incluirmos essa previsão no orçamento e promover essas ações”, explicou o chefe da Casa Civil, Paulo Taques, quando questionado sobre a ação da PGE na justiça.
Nota de Ministro Chefe da Casa Civil, Eliseu Padilha:
“Não tenho nada a declarar, pois o alegado fato não existe”.
Nota do Governo:
O Governo de Mato Grosso está empenhado em implantar de forma efetiva o Parque Estadual Serra de Ricardo Franco, com preservação ambiental, pesquisa científica e turismo sustentável.
As duas principais ações necessárias para a unidade de conservação tornar-se realidade estão bem encaminhadas: a empresa que irá realizar o diagnóstico fundiário já foi escolhida por licitação, e outro processo está em andamento para definir a consultoria que fará o plano de manejo.
“Estamos no 25º dia útil de janeiro, e a minha equipe já tem um plano de ação detalhado de 2017 para tudo que deverá ser feito no parque”, destacou o secretário de Estado de Meio Ambiente e vice-governador Carlos Fávaro.
O secretário-chefe da Casa Civil, Paulo Taques, está otimista quanto ao futuro da região. “Vamos corrigir 20 anos de inércia, fazer a desapropriação, fazer o plano de manejo e dar corpo e vida para essa área tão exuberante.”
A unidade de conservação foi criada em 1997, mas esteve praticamente restrita ao papel até então. Nas últimas duas décadas, não foi realizado nenhum procedimento para efetiva implantação.
Após a criação de um parque, o primeiro passo é preciso verificar proprietários de terra estabelecidos ali anteriormente, fazer um extenso levantamento de limites territoriais, desmatamento e benfeitorias. Essas pessoas devem ser indenizadas pelo Estado para que possam deixar a área. Somente após essa fase é feito o plano de manejo, um estudo complexo do ecossistema que indica formas de exploração sustentável.
No ano passado, o Ministério Público pediu, e a Justiça determinou, a execução urgente desses procedimentos. A Procuradoria-Geral do Estado (PGE) recorreu e conseguiu a suspensão do prazo.
“Estamos passando por um momento de grande dificuldade financeira. Uma desapropriação e um plano de manejo de uma área desse tamanho requerem milhões de reais. Por isso, pedimos apenas a suspensão dos prazos para incluirmos essa previsão no orçamento e promover essas ações”, explicou o chefe da Casa Civil.
O secretário de Estado de Meio Ambiente pontua que a Sema vem trabalhando arduamente para executar as determinações impostas, porém, não é possível fazer a gestão ambiental sob efeito de liminares. Vale lembrar que Mato Grosso possui 46 unidades de conservação estaduais, o que equivale a 2,8 milhões de hectares.
Veja, ponto a ponto, as medidas requeridas pelo Ministério Público e o que o Governo de Mato Grosso está fazendo a respeito:
Diagnóstico fundiário:
Uma licitação já escolheu a empresa que fará o diagnóstico fundiário, documento fundamental para a desapropriação das áreas que forem necessárias e indenização dos proprietários. O contrato abrange ainda o estudo de outras oito unidades de conservação do Estado. Os recursos são de R$ 5 milhões, vindos do Fundo Amazônia. O trabalho envolve demarcação de área, sinalização, geoprocessamento e georreferenciamento. A previsão de início é no primeiro semestre desse ano.
Plano de manejo:
Está em andamento a licitação para escolher a empresa realizará o plano de manejo do Parque Serra de Ricardo Franco e de outras oito unidades de conservação. Serão investidos R$ 8 milhões em recursos oriundos de compensação ambiental. Esse plano contempla o zoneamento da área do parque, com definição de áreas prioritárias para conservação, uso público e recuperação de áreas degradadas.
Criação de equipe:
No segundo semestre do ano passado, foram nomeados um gerente e um assistente para o parque. A gerência do parque já recebeu uma caminhonete, barco voadeira, carreta rodoviária para transporte de barco, computador e notebook, GPS, mesas, cadeiras e armários.
Implantação do Conselho Consultivo:
O Conselho Consultivo do Parque Estadual Serra de Ricardo Franco foi reativado em 04 de novembro de 2014, (Portaria nº. 586 de 05 de dezembro de 2014, publicada no DOE nº. 26431).
Confira abaixo a íntegra do posicionamento oficial da PGE:
A respeito da manifestação do chefe do Ministério Público Estadual em exercício, Procurador de Justiça Luiz Alberto Esteves Scaloppe, quanto à atuação da Procuradoria-Geral do Estado de Mato Grosso na ação judicial do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, a PGE vem a público esclarecer:
1. Diversamente do que afirmou o representante do Ministério Público, a PGE-MT não ingressou com nenhum recurso ou qualquer outra medida judicial em favor de particulares, proprietários ou posseiros, que estejam no interior do Parque Estadual Serra Ricardo Franco;
2. Ao contrário, a medida judicial adotada pela PGE visou suspender as determinações impostas unicamente ao Estado de Mato Grosso em razão da impossibilidade de cumprir medidas complexas nos curtos prazos previstos na decisão do juízo de Vila Bela da Santíssima Trindade em ação proposta pelo Ministério Público contra o Estado, porque demandam, entre outras, levantamentos fundiários e desapropriações em valores que, atualmente, o Estado não teria como suportar para a completa implantação do referido Parque Estadual;
3. Assim, para evitar que o Estado de Mato Grosso respondesse pelo descumprimento da medida liminar com o pagamento de multa diária, a PGE ingressou com Suspensão de Liminar nº 175064/2016 ao Presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso;
4. Compreendendo as razões expostas pelo Estado, o Presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso determinou a suspensão da liminar, evitando que o Estado fosse prejudicado pelo não cumprimento de uma decisão que, nas condições impostas, se revela materialmente impossível;
5. Para o bem da verdade, é relevante esclarecer também que as duas decisões proferidas pelo Presidente do Tribunal de Justiça de Mato Grosso no bojo da Suspensão de Liminar nº 175064/2016 não suspenderam qualquer auto de infração ou embargo lavrados contra os proprietários e posseiros que causaram danos ao Parque Estadual Serra Ricardo Franco;
6. Os proprietários e posseiros do Parque Estadual Serra Ricardo Franco foram demandados pelo Ministério Público Estadual em ações específicas e individuais, não figurando o Estado como parte, de maneira que qualquer suspensão de auto de infração ou de embargo decorre de ações ou recursos manejados pelos próprios particulares;
7. Em que pese as alegações do Procurador de Justiça, Luiz Alberto Esteves Scaloppe, a PGE não agiu contra a efetiva implantação do Parque Estadual Serra Ricardo Franco, mesmo porque possui como missão institucional a tutela do meio ambiente saudável e ecologicamente equilibrado, como prova o freqüente ingresso ao lado do Ministério Público Estadual em ações civis públicas que buscam a reparação por danos causados ao meio ambiente.
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