Segundo dados do ISA (Instituto Socioambiental), a área total desmatada em março e abril na bacia foi de 21.495 hectares - um aumento de 156% em relação aos dois primeiros meses do ano. A maior parte desse desmatamento (13 mil ha) foi em Mato Grosso, apontam as medições do Sirad X, um sistema de monitoramento da Rede Xingu+.
Em janeiro e fevereiro, três municípios do estado, Santa Carmem, Feliz Natal e União do Sul, já haviam chamado a atenção pelo salto de área desmatada - provavelmente para abertura de grandes áreas de floresta para cultivo de soja. Eles estão muito próximos do Parque Indígena do Xingu.
"A ameaça maior são nossos vizinhos: os fazendeiros, sojeiros. Eles tramam contra a gente o tempo todo porque acham que a gente desperdiça terra. Eles não entendem que a floresta em pé vale mais do que o dinheiro deles. Não só pra gente, mas para eles também", argumenta Watatakalu.
O rio Xingu: indígenas temem efeitos também do aquecimento global
Impactos das mudanças no clima
Wisio Kaiabi, de 60 anos, uma das pioneiras no movimento de mulheres, coloca os impactos das mudanças climáticas no topo de suas preocupações. "Estamos sofrendo com muita quentura", diz sobre a temperatura. "Isso não acontecia antes. Mas agora os fazendeiros estão chegando muito perto das nossas terras, acabando com as matas e a quentura está vindo para dentro do Xingu", afirma.
Os impactos relatados pelos indígenas estão de acordo com medições de pesquisadores. Quando uma área de floresta desaparece para se transformar em lavoura, a temperatura da superfície sobe até 5°C. "Esse efeito também aumenta a temperatura do ar próximo à superfície, assim, o desmatamento em grande escala, como o ocorreu no entorno do Xingu, pode teoricamente ajudar a explicar a sensação térmica narrada pelos indígenas", afirma Divino Silvério, pesquisador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).
O sumiço da cobertura florestal tem impacto também sobre a produção de água. Sem árvores, todo o vapor que elas transferem para o ar, num processo chamado de evapotranspiração, desaparece.
O estudo feito por Silvério na bacia do Xingu mostrou que a conversão da floresta em plantações e pastagens entre 2000 e 2010 fez com que 35 km³ de vapor de água deixassem de ser produzidos. Uma área de floresta convertida em lavoura apresenta redução de 33% na evapotranspiração. "É um vapor de água que deixou de virar chuva, diz Silvério.
No Xingu, com as mudanças do padrão climático, as mulheres tentam agora reaprender a plantar na hora certa. A diminuição e irregularidade das chuvas já provocaram perdas nas colheitas de mandioca, banana, batata doce, amendoim. Para Wisio, cacique na aldeia Guarujá, a sobrevivência de todos está atrelada à presença da mata.
"Essa floresta nos dá saúde´", diz, ainda em luto, depois de perder uma neta com pneumonia. "Ela é importante para tudo. Não só para indígena. E para mudança climática não acontecer".
*A viagem das jornalistas ao Parque Indígena do Xingu foi realizada com apoio da Rainforest Journalism Fund em associação com o Pulitzer Center.