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News & Events Participação e autonomia na luta por direitos
Participação e autonomia na luta por direitos
Participação e autonomia na luta por direitos
MOC
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Em uma sociedade capitalista com uma brutal desigualdade socioeconômica e política, compreendemos a luta pela terra, por território e por moradia como sendo uma pedagogia de emancipação humana que, sob certo sentido, desconstrói uma educação integradora no sistema do capital como “aquele cujo real objetivo, consciente ou inconscientemente, é integrar o indivíduo à sociedade, tornando-o um bom cidadão, isto é, uma pessoa de ordem, por meio da inculcação da ideologia dominante. Dessa forma, a educação inclusiva é fator fundamental para a reprodução da sociedade” (HERNÁNDEZ, 2005, p. 48).

O tema da autonomia é central na psicologia, na filosofia e, em geral, nas ciências sociais. Se as/os trabalhadoras/res e as/os camponesas/ses não se tornam sujeitos autônomos de suas vidas e da sua existência não dá para construir emancipação. Segundo a psicologia humanista (C. Rogers, E. Fromm, por exemplo), a pessoa existe para ser autônoma. Sem autonomia, a pessoa não se realiza humanamente. “Para J. Piaget, o esquema do desenvolvimento da individuação suscita a transição do egocentrismo para o sociocentrismo, que passa pela aquisição de níveis crescentes de autonomia e que, ao tornar o indivíduo mais autônomo (e reflexivo) em relação à influência do ambiente permite que a pessoa opere com maior grau de autonomia; no campo dos valores (também para Piaget) seria sobre a transição do convencionalismo e da heteronomia (aceitação acrítica das influências de valor), para a autonomia da pessoa” (HERNÁNDEZ, 2005, p. 63).

Para a condição humana social, cultural e historicamente circunstanciada, o estado de submissão, imposição e constrangimento das potencialidades da pessoa humana é tremendamente desemancipatório, pois abafa o potencial humano que poderia desabrochar, mas para isso exige ambiente acolhedor e respeitoso. A emancipação pessoal se constrói no exercício de diálogo crítico, reflexivo e criativo, aberto à problematização de tudo, no qual o sujeito é parte comprometida com a práxis social e com a produção de conhecimento emancipatório. Uma postura pessoal autônoma implica tomar decisões consequentes com esse modo de pensar.

Nos processos de emancipação o papel da cultura é imprescindível, pois “esta é a capacidade de abarcar as diversas expressões produtivas e espirituais da sociedade, de expressar os elementos essenciais que identificam os povos” (VÁZQUEZ; GONZÁLEZ, 2001, p. 24). Nessa perspectiva, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas (MLB), O Movimento Indígena e Quilombola e outros valorizam muito as expressões culturais populares e a mística – ‘pulmão da luta’ -, sempre incentivando o máximo de criatividade nos inícios dos encontros, das lutas, durante e ao final, sempre com inserções plásticas – simbólicas – carregadas de vigor das causas que estão sendo defendidas.

Temos que reconhecer que estamos imersos em muitas crises, entre as quais uma crise ética sem precedentes na história. Uma revolução ética é urgente e necessária. O socialismo preconizado por Karl Marx, que se afirmou como uma utopia necessária e possível, infelizmente não foi implementado em toda sua plenitude durante o século XX em nenhum país. “A promessa de uma sociedade diferente, pós-capitalista, revolucionária e revolucionada, que encorajasse as capacidades humanas a partir de uma ordem equitativa e justa, não se tornou viável no século XX: o socialismo não se tornou um processo civilizatório e cultural diferente do capitalismo” (ALONSO, 1998, p. 16-17).

Por causa da violação de direitos humanos fundamentais pelo (des)governo da União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS) não podemos cometer a injustiça histórica de condenar todo e qualquer tipo de socialismo. Necessário se faz fazer uma distinção que Marta Harnecker faz: “estabelecer as distinções entre projeto e modelo para falar de socialismo após o fracasso do socialismo real: ou seja, “o projeto ou proposta socialista e certo modelo de socialismo […] o que foi efetivamente derrotado foi um modelo de socialismo: o soviete, e não o projeto socialista como tal” (HARNECKER, 1999, p. 125).

Construir uma sociedade justa economicamente, solidária socialmente, ecologicamente sustentável, ecumênica e politicamente democrática continua sendo um sonho não realizado (“Sonho bom!”), não apenas porque não foi viável ao longo da história, mas também, e talvez principalmente, porque não foram aproveitadas as brechas da história e nem cunhas suficientes foram colocadas para bloquear a engrenagem do sistema do capital que continua cada vez mais avassalador e brutalmente violentador de direitos humanos e de direitos da natureza.

A luta pela terra se torna efetiva pela participação dos sujeitos Sem Terra (da mesma forma para os Sem Teto e Povos Tradicionais) ao descobrir que tem poder econômico quem controla o capital e exerce o poder político quem comanda o aparelho repressor do Estado e faz as leis. No entanto, o poder dos Sem Terra, dos Sem Teto e dos Povos Tradicionais está na participação, no número. Quanto maior e melhor for a participação dos sujeitos que lutam pela terra, por território e por moradia, mais vitórias serão conquistadas. Portanto, o conceito de participação é fundamental, mas este é um conceito análogo, pois pode ser entendido de diversas formas. Ajuda-nos o conceito de participação, apresentado por Kisnerman, citado por Hernández, que afirma: “Participar é […] estar em algo, fazer parte, decidir, é tomar decisões e não simplesmente ser o executor de algo, é estar sujeito a todo um processo, portanto participação é a estratégia essencial em toda promoção comunitária” (KISNERMAN, 1990 apud HERNÁNDES, 2005, p. 109). A participação se expressa de diversas formas em todo o processo de luta coletiva pela terra, por território, por moradia e por outros direitos sociais. “[…] não só como resposta à mobilização convocada de um centro, mas intervenção ativa em todo o processo social, desde a identificação de necessidades, a consequente definição de políticas, até à execução, passando pela implementação e controlo em torno dessas políticas” (GUZÓN apud HERNÁNDEZ, 2005, p. 110).

Há diversos níveis de participação e não há como lidar com o conceito de participação sem colocar em baila a noção de sociedade civil cunhada por Antonio Gramsci, que interpretou a questão do poder através do conceito de hegemonia. Conforme Jorge Acanda: “A teoria da hegemonia teve que desenvolver a teoria marxista do Estado, indo além de sua interpretação inicial como um mero conjunto de instrumentos de coerção, para interpretá-lo também como um sistema de instrumentos para a produção de liderança intelectual e consenso” (ACANDA, 2002, p. 244-245). A esse respeito Ovidio Hernández cita Gramsci nos Cadernos do Cárcere, onde o filósofo italiano comunista, enquanto estava preso, afirma: “O exercício normal da hegemonia […] é caracterizado por uma combinação de força e consenso, que se equilibram de maneiras diferentes, sem que a força predomine demais sobre o consenso, e tentando fazer a força parecer baseada na aprovação da maioria, expressa através dos chamados órgãos de opinião pública” (GRAMSCI apud HERNÁNDEZ, 2005, p. 111).

Enfim, a luta por direitos pressupõe autonomia, participação, mística libertadora, utopia socialista, tudo conjugado para conquistarmos emancipação humana. Eis um caminho emancipatório. Bem-vindo/a à luta por direitos!

Referências

ACANDA, Jorge Luis. Sociedad civil y hegemonía. La Habana: Centro Juan Marinello, 2002.

HARNECKER, Marta. Democracia y socialismo. In: Temas, n. 16-17. La Habana, 1999.

HERNÁNDEZ, Ovidio S. D’Angelo. Autonomía integradora y transformación social: El desafío ético emancipatorio de la complejidad. La Habana: Publicaciones Acuario Centro Félix Varela, 2005.

VÁZQUEZ, Elvira; GONZÁLES, Andrés. Las políticas culturales, su papel en los procesos de desarrollo. In: Memorias Primer Taller Nacional Intersectorial Comunitario, La Habana, UNESCO, 2001.

31/01/2023

Obs.: As videorreportagens nos links, abaixo, versam sobre o assunto tratado, acima.

1 – Frei Gilvander e CPT: Exigimos a Preservação integral da Mata do Jd. América, BH/MG! Natureza, SIM!

 

 

 

2 – Prédios de 17 andares com quase 500 aptos de luxo na Mata do Jd. América em BH/MG? Inadmissível!

 

 

 

 

3 – “Basta de propostas conciliatórias sobre a Mata do Jd. América, em BH/MG! Preservação 100%, JÁ!”

 

 

 

 

4 – Basta de especulação imobiliária na Mata do Jd. América, em BH/MG! O justo é preservação 100%, JÁ!

 

 

 

 

5 – SALVE a Mata do Jd. América, em BH/MG, com urgência! Anulação do acordo injusto e sob coação, JÁ

 

 

 

 

6 – Mata do Jd. América em BH/MG, único pulmão de 11 bairros de BH. Preservação INTEGRAL 100%, JÁ! v. 2

 

 

 

 

[1] Frei e padre da Ordem dos carmelitas; doutor em Educação pela FAE/UFMG; licenciado e bacharel em Filosofia pela UFPR; bacharel em Teologia pelo ITESP/SP; mestre em Exegese Bíblica pelo Pontifício Instituto Bíblico, em Roma, Itália; agente e assessor da CPT/MG, assessor do CEBI e Ocupações Urbanas; prof. de Teologia bíblica no SAB (Serviço de Animação Bíblica), em Belo Horizonte, MG