Uma análise da perspectiva da governança de terras sobre as “Diretrizes para o Programa de Reconstrução do Brasil – Lula 2023-2026” | Land Portal

Nesta edição especial da IGTNews, cobriremos temas relacionados às eleições que se aproximam. Este artigo terá como assunto uma breve análise realizada por meio da perspectiva da governança de terras sobre as Diretrizes Para o Programa de Reconstrução do Brasil Lula 2023-2026 [1] – documento ainda em versão para discussão que representa as principais linhas programáticas da chapa Lula-Alckmin para as eleições presidenciais de 2022.

O documento contém diversas pautas positivas. Dentro do recorte de análise proposto aqui, nota-se o acertado compromisso com a sustentabilidade socioambiental, através do enfrentamento das mudanças climáticas, esforços para a transição energética, apoio a uma economia baseada na biodiversidade e construção de um sistema alimentar saudável, além da proteção aos direitos dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais e defesa da reforma agrária.

Logo no início, faz-se uma crítica à política econômica vigente e à espoliação do patrimônio público com foco na desnacionalização de setores estratégicos sob controle público. Nesse ínterim, é cabível lembrar que as terras públicas não arrecadadas também fazem parte do patrimônio público e não são contempladas adequadamente no documento. Qualquer plano de desenvolvimento sustentável em termos socioambientais deve trazer medidas voltadas a esta parte do patrimônio público, visto que são as áreas mais afetadas pelo desmatamento ilegal e grilagem, foco do tópico sobre o imperativo de “defender a Amazônia da política de devastação posta em prática pelo governo atual” [1].

É compreensível que um documento como este apresente propostas e posicionamentos com um certo grau de generalidade, dado que foi escrito a várias mãos e representa um processo político de discussão pela coligação. Entretanto, ainda assim percebe-se que os temas relacionados à governança de terras, administração de terras ou inteligência territorial estão largamente ausentes – mesmo estes sendo fundamentais para a construção de diversas políticas e compromissos apresentados no decorrer do documento.

A questão da soberania é repetida diversas vezes durante o documento (seja em termos de política externa, seja em termos de desenvolvimento econômico). Ainda assim, o desconhecimento do próprio território por parte do Estado não é adereçado, mesmo sendo essencial para a consecução deste objetivo. Para tanto, seria necessário um compromisso com a governança de terras como política de Estado, apontando para medidas como a estruturação de um serviço de administração de terras sólido e articulado. Isto, por sua vez, exigiria o fortalecimento de instituições ligadas à gestão do território das mais diversas formas (como o INCRA, ICMBio, Institutos de Terra Estaduais, FUNAI, SPU, Registradores e outros), a construção de um cadastro de terras unificado e uma política de articulação entre estas instituições.

O mesmo vale para a questão da defesa da Amazônia: como fazer isso efetivamente sem uma adequada governança de terras, sem um serviço público de administração de terras articulado e sem o necessário conhecimento do território?

Este tema pode ser inserido como pré-requisito nos mais diversos tópicos veiculados pelas diretrizes expostas no documento. É o caso, por exemplo, da questão da reforma tributária visando à simplificação de tributos e distribuição de renda: em nenhum momento vê-se a discussão da efetivação do imposto sobre a propriedade rural (ITR), carente de efetivação adequada até hoje.

Mesmo quando tratando de questões urbanas (como o direito à cidade, combate às desigualdades territoriais e programas de moradia), volta-se à questão da necessidade de inteligência territorial e articulação de diversas instituições e órgãos públicos que participam da gestão do território.

Por fim, o documento desperta curiosidade sobre como serão resolvidos os potenciais conflitos futuros entre diretrizes. Como serão equacionados objetivos como a preservação ambiental, realização de reforma agrária, proteção dos direitos dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais com outro grupo de objetivos propostos, como o fortalecimento da produção agrícola e pecuária, ampliação da infraestrutura de logística de transporte, retomada de grandes obras?

Independentemente de como se desenrolará a conciliação entre estas diretrizes potencialmente divergentes, é urgente que a discussão sobre governança de terras seja incluída nas definições de qualquer plano de governo futuro – caso contrário arriscamos mais uma vez manter sem solução diversas mazelas do passado.

 

Este texto foi originalmente publicado no IGT News 50. 

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