Terras indígenas podem receber até 40 hidrelétricas, estima Ministério de Minas e Energia | Land Portal
Projeto sobre exploração de terras indígenas tramita no Congresso. Segundo ministério, usinas ocupariam 1% da área e renderiam R$ 60 milhões anuais aos índios. Especialistas são contra.
 
Estimativa do Ministério das Minas e Energia indica que as terras indígenas brasileiras têm potencial para receber cerca de 40 hidrelétricas com capacidade de gerar, ao todo, 28 mil megawatts (MW).
 
Esses 28 mil MW equivaleriam a pouco mais de um quarto (27,2%) da capacidade instalada das 217 hidrelétricas em operação atualmente no país (102.998 MW).
 
No início de fevereiro, o governo federal enviou ao Congresso um projeto que regulamenta a exploração de terras indígenas.
 
O texto libera nessas áreas a construção de hidrelétricas, a extração de óleo e gás e atividades como mineração e garimpo, desde que autorizadas pelo Congresso.
 
A Constituição prevê a possibilidade de atividades econômicas nas terras indígenas, mas isso não acontece porque não há regulamentação.
 
Especialistas em questões indígenas ouvidos pelo G1 criticaram o projeto do governo. Para eles, obras como as de hidrelétricas podem gerar reflexos negativos permanentes na vida das comunidades atingidas nessas áreas (leia mais abaixo).

 

Compensação financeira
 
O projeto do governo propõe o pagamento de participação financeira às comunidades indígenas atingidas pelos empreendimentos. No caso de hidrelétricas, o repasse aos índios seria equivalente a 0,7% do valor da energia produzida.
 
"Se todos os [40] projetos forem viabilizados, estimamos que as comunidades indígenas atingidas receberão a título de participação aproximadamente R$ 60 milhões por ano", informou ao G1 o Ministério de Minas e Energia.
 
Os R$ 60 milhões estimados pelo ministério equivaleriam a 12% do orçamento da Fundação Nacional do Índio para 2020 (R$ 495 milhões).
 
A pedido do G1, a Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia e Consumidores Livres (Abrace) simulou o cálculo dessa participação utilizando como exemplo a hidrelétrica de Belo Monte, que fica no Pará.
 
De acordo com a Abrace, se Belo Monte estivesse dentro de uma terra indígena e, por isso, fosse obrigada a pagar participação financeira seguindo os critérios propostos no projeto do governo, teria que desembolsar R$ 22,3 milhões por ano.
 
Impacto
 
De acordo com o Ministério de Minas e Energia, essas 40 hidrelétricas, se construídas, ocupariam "uma porção muito pequena" dessas terras indígenas – cerca de 1% da área total.
 
"Os aproveitamentos hidrelétricos estão localizados em sua maior parte na Bacia Amazônica, com cerca de 20 aproveitamentos, 6 na bacia do Araguaia, 2 na bacia do Tocantins, 2 na bacia do São Francisco, 2 na bacia do Uruguai e 1 na bacia do Paraná", informou o ministério.
 
Embora os números indiquem um impacto reduzido dessas hidrelétricas, para a advogada do Instituto Socioambiental (ISA), Juliana de Paula Batista, empreendimentos como esses podem ameaçar a sobrevivência das comunidades indígenas.
 
O Instituto Socioambiental é uma organização sem fins lucrativos que atua na área de meio ambiente e direitos humanos e conta com um programa específico voltado para os povos indígenas.
 
"Uma hidrelétrica atrai de 5 mil a 20 mil trabalhadores. Como que os índios, que são comunidades altamente vulneráveis e que têm cultura específica, vão conviver dentro do seu território com 5 mil, 15 mil, 20 mil trabalhadores? Imagina o impacto social, cultural, ambiental de tudo isso", afirmou Juliana Batista, que há dez anos trabalha com a questão indígena.
 
A advogada citou como exemplo os reflexos da construção da usina de Belo Monte na cidade de Altamira, no Pará.
 
Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), divulgado em 2017, por exemplo, apontava Altamira como a cidade mais violenta do país e indicava que essa disparada na criminalidade tinha relação com a explosão populacional e o crescimento desordenado estimulado pelas obras da hidrelétrica.
 
"Não interessa o quanto vai atingir. Interessa perguntar se essas comunidades indígenas terão condições de manter a sua sobrevivência física e cultural [após a construção das hidrelétricas]", disse a advogada, em referência à estimativa do ministério de que somente 1% da área total das terras indígenas seria ocupado pelas usinas.
 
Poder de veto
 
Para o professor do departamento de Antropologia da Universidade de São Paulo (USP), Renato Sztutman, mesmo que realmente chegue aos indígenas, a participação financeira milionária prevista pelo governo não compensará as perdas que as comunidades devem sofrer.
 
"Os benefícios [com a implantação de hidrelétricas nas terras indígenas] são, com certeza, muito menores que os malefícios", apontou Sztutman.
 
Segundo ele, intervenções como o desvio do curso de um rio, necessário nesse tipo de obra, "muda radicalmente o ambiente" onde vivem essas comunidades, gerando reflexo no solo e na disposição de alimentos.
 
O professor criticou ainda o fato de a proposta do governo limitar o poder dos índios de vetar os empreendimentos.
 
Pelo texto do projeto, as comunidades terão poder de vetar somente o garimpo em suas terras.
 
No caso de hidrelétricas, exploração de óleo e gás e de mineração, o governo poderá encaminhar o pedido de autorização ao Congresso mesmo que os indígenas, ao serem consultados, se posicionem contra.
 
"O mínimo que os indígenas devem ter é o poder de veto", defendeu.
 
 
 
 

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