Da esquerda, fazendeiros comunitários e ativistas de Sibanye Eco-Gang Luthando Magavu e Nombulelo Sineke no cultivo comunal de vegetais que eles ajudaram a criar em terras não-utilizadas em uma escola primária em KwaZakhele / Bonile Bam
Na África do Sul, país no qual 10 milhões de pessoas dormem com fome todas as noites, o auxílio emergencial concedido pelo governo durante a pandemia de covid-19 foi uma tábua de salvação. Trata-se de pequena ajuda financeira para uma fração dos cerca de 28,4 milhões de desempregados e “economicamente inativos” no país, segundo o pesquisador Siyabulela Mama.
Portanto, quando o governo acabou com o auxílio após apenas nove meses (uma de suas medidas de austeridade econômica), mais de cinco milhões de pessoas não mais receberam o repasse mensal de 350 rands [por volta de R$ 123,50].
Ainda que isso seja suficiente apenas para comprar do pão mais barato e um ou outro alimento – e embora excluindo mulheres cujos filhos menores já recebessem todo mês um repasse no valor aproximado de R$ 165,00 –, o auxílio evitou que passassem fome pessoas com trabalhos ocasionais e precários, trabalhadores de restaurantes, vendedores ambulantes, artistas e outros que perderam seus empregos durante a pandemia.
A agitação generalizada desencadeada pelos ataques violentos a caminhões de entrega em julho por uma facção descontente do Partido Congresso Nacional Sul-Africano, rapidamente colocou em primeiro plano a fome no país, enquanto milhares de sul-africanos famintos aproveitaram o caos para saquear supermercados e armazéns de alimentos nas províncias de KwaZulu-Natal e Gauteng.
Distribuição de comida em Joanesburgo. Na África do Sul, 2.2 milhões de pessoas perderam seus empregos em 2020 / Marco Longari / AFP
Em resposta ao caos, o governo reestabeleceu o auxílio e estendeu a ajuda até março de 2022. Muitos esperam que ele seja convertido em renda básica.
Siyabulela Mama, que trabalha no Centro de Educação e Treinamento Pós-Escolar Integrado da Universidade Nelson Mandela, é porta-voz da campanha #PayTheGrants [pague os auxílios, em português], que quer garantir renda básica mensal no valor de 1.268 rands [cerca de R$ 477,00] para os que têm entre 19 e 59 anos de idade. A África do Sul não paga seguro-desemprego, e o grupo formado pelas pessoas com a faixa etária acima mencionada não se encaixa para receber nem aposentadoria por idade nem subsídios governamentais de pensão alimentícia.
“Empregasse um esforço tremendo para criar solos saudáveis em terras marginalizadas. É muito trabalho duro”, diz Mama. Ele trabalha em estreita colaboração com Sibanye Eco-Gang, um grupo de ativistas e ex-sindicalistas que está reivindicando terras marginais em KwaZakhele, um município estabelecido no final dos anos 1950 para acomodar negros sul-africanos removidos à força de Korsten, perto do centro da cidade..
Roger Mafu, 45 anos, foi dispensado há dois anos atrás pela General Motors sob o argumento de redução de custos. Desde então, ele tem sido ativista comunitário voluntário em tempo integral em KwaZakhele e é membro ativo do Sibanye Eco-Gang.
“Trabalhar em um lugar como aquele [General Motors] é escravidão moderna do mesmo jeito. Então eu não fiquei desapontado com a dispensa”, diz Mafu. “Politicamente, estas aqui são áreas desvantajosas. Há altos índices de desemprego e pobreza. Então, durante o lockdown, eu pensei ‘Por que não nos mobilizarmos e criarmos hortas?’. Pessoas com estudo chamam isso de soberania alimentar.”
Sibanye Eco-Gang instalou algumas das hortas em pequenos quadrados de terrenos vazios que costumavam abrigar as “torneiras abertas” ofertadas pelo regime do apartheid. Cada uma dessas torneiras atendia a 36 famílias negras que não tinham água encanada em suas casas e precisavam fazer fila para coletar água em baldes.
Mama conta que o uso das “torneiras abertas” acabou quando moradias de baixo custo foram construídas após o fim do apartheid e a porções de terra nas quais permaneceram se tornaram locais informais de despejo, áreas perigosas.
“Quando veio o lockdown rígido, vimos uma oportunidade de transformar esses locais de despejo em hortas comunitárias. Isso foi feito por meio de uma série de reuniões comunitárias com todos na área. Os interessados agora se encontram todos os dias da semana às 8h para ver o que precisa ser feito em cada horta.”
Alimentos são fornecidos a qualquer um que venha dessas áreas das hortas, não importando se a pessoa pode ou não pagar. “Esta é uma compreensão que somente os mercados sociais podem apresentar, a de que pessoas podem não ter dinheiro naquele momento. Em primeiro lugar e acima de tudo, os alimentos são fontes de nutrição e só depois são itens de venda”, diz Mama.
O socialista Ntsika Mateta, 31 anos de idade, espera expandir o movimento por meio de hortas e quintais comunitários de permacultura em vilas rurais, bem como dando suporte a projetos urbanos para montar bancos de sementes e proteger o cultivo de plantas medicinais nativas.
Mateta é o coordenador do Eastern Cape Water Caucus, uma organização guarda-chuva para cerca de 40 comunidades afetados pelos altos preços das contas de água e escassez de água e alimentos.
Recentemente, ele deu um passo incomum ao mudar-se para a remota vila de Elundini, com apenas 200 famílias e distante 30km de Alice, cidade universitária de Eastern Cape.
Construída sobre uma encosta íngreme e pedregosa, Elundini foi fundada em 1986 após o governo do apartheid realocar forçosamente centenas de pessoas negras de terras muito melhores, localizadas a 20km de distância, e que foram transformadas em represa. “As pessoas foram postas em bangalôs pelo governo e deixadas aqui sem água”, relembra Mateta.
Ele recebeu dez hectares de terra de propriedade do Eco-hostel Elundini Backpackers para cultivar e começou estabelecendo uma horta experimental de permacultura com mais de 50 tipos diferentes de vegetais, ervas, plantas medicinais nativas e frutas silvestres. Nesta horta, Mateta testa técnicas agrícolas e que não exigem muito dinheiro, como a agricultura sem escavação e sem água. A horta livre de pesticidas produz sementes orgânicas que se transformam em mudas em uma estufa construída com materiais reciclados.
“Vimos a necessidade de ter mais resiliência alimentar quando a pandemia de covid-19 foi declarada. O auxílio alimentar do governo [principalmente pequenos cestos de carboidratos brancos processados, com pouca proteína ou vegetais] falhou com nosso povo. O mais importante era formar um bem comum coletivo para que as pessoas pudessem se apropriar de seu próprio bem-estar. Estamos tentando criar uma economia circular localizada aqui, pois estamos longe da cidade e não queremos que as pessoas desperdicem dinheiro em viagens para comprar alimentos.”
Feijões colhidos da horta alimentar eKhenana/ Foto: Mlungisi Mbele.
Sobre as recentes agitações e pilhagem de alimentos, Mateta diz que “o aumento dos preços dos alimentos, o preço fixo estabelecido pelas corporações produtoras de comida e o fato de que ela está inacessível para a maioria de nós mostram claramente que todo o sistema alimentar sul-africano está quebrado".
Como os grupos de soberania alimentar em Gqeberha, a 250 km de distância, Mateta consulta comitês de vilarejos e realiza oficinas com moradores para motivá-los a expandir o projeto.
“As pessoas daqui plantam apenas mielies [“milho” na língua africâner] e batatas, portanto eles não enxergam o cultivo de vegetais como uma maneira confiável de se alimentar. Estão acostumadas a utilizar pesticidas.” Mas agora, com a horta experimental, os moradores podem colher vegetais livres de pesticidas e alimentos mais raros, como dente-de-leão, frutas vermelhas, trevo e outras plantas silvestres que oferecem nutrição na forma de saladas.
“Há muito a prosperar aqui. Precisamos apenas experimentar primeiro e ver o que funciona. Minha filosofia aqui é ‘se dou a você cinco sementes nesta estação, então na próxima você deverá me dar 50 sementes.’ Esta é uma boa forma de expandir nosso movimento”.
Mateta diz que o projeto agrícola se tornou uma importante ferramenta de organização, pois “as pessoas aqui estão despolitizadas e alienadas do que está acontecendo nacionalmente, no continente e no resto do mundo. O sistema político que segura as rédeas é um sistema anti-humano, que não mostra respeito pelo meio ambiente ou pelas pessoas.”
Um desejo de longo prazo expressado por estes grupos agrícolas urbanos e rurais é estabelecer assembleias democráticas de agricultores que se encontrem regularmente e conectem-se com movimentos de trabalhadores, trazendo a soberania alimentar para o cotidiano das organizações da classe trabalhadora.
Projetos coletivos de soberania alimentar não são a norma e ainda vai demorar para que eles se espalhem até outras áreas empobrecidas. Enquanto isso, a garantia de renda básica parece ser a única maneira de acabar com a fome em massa na África do Sul.
Porém, Mama adverte que, para que o subsídio seja bem-sucedido, é essencial que seja elaborado por "desempregados, mulheres e trabalhadores precários. O governo deve consultar e conversar com as pessoas às quais a renda se destina. Não pode ser produto de discussões com ONGs e tecnocratas.”
A fome no mundo é uma série colaborativa produzida pela ARGMedios, Brasil de Fato, BreakThrough News, Madaar, New Frame, NewsClick e Peoples Dispatch.
Edição: Arturo Hartmann
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